Ex-presidente Lula teria sido avisado por Miguel Jorge sobre um pedido do setor automotivo.| Foto: Daniel Castellano /Gazeta do Povo

Em depoimento à Polícia Federal, o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Miguel Jorge admitiu ter levado ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008, um pedido do lobista Mauro Marcondes Machado, preso sob suspeita de intermediar a “compra” de medidas provisórias no governo federal. A solicitação se referia à prorrogação de uma norma ambiental que não interessava o setor automotivo.

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Miguel Jorge falou aos investigadores da Operação Zelotes no dia 16 do mês passado. Confrontado com documentos apreendidos pela PF, ele contou que Mauro Marcondes lhe pediu que informasse a Lula sobre a “preocupação” de montadoras de veículos sobre a implantação, no Brasil, do padrão Euro IV, parâmetro de emissão de poluentes mais rigoroso para veículos a diesel. A regra seria apreciada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).

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Mauro Marcondes é réu na Zelotes por, supostamente, atuar pela “compra” de MPs nos governos Lula e Dilma que concederam benefícios fiscais a montadoras de veículos. Ele representava empresas do setor e também o grupo que vendeu ao governo os caças suecos Gripen, além de outras empresas. O lobista pagou R$ 2,5 milhões a um dos filhos de Lula, o empresário Luís Cláudio Lula da Silva, como revelou o jornal O Estado de S.Paulo em outubro. Para PF, os recursos, repassados entre 2014 e 2015, podem estar relacionados à edição de MPs, o que está em investigação. Luís Cláudio nega.

Conforme o lobista, que na época tratava com o ministro como representante da Scania, as empresas do setor estavam preocupadas com a nova regra, pois não haveria no Brasil combustível para atender ao parâmetro ambiental. O ex-ministro declarou à PF que se recorda de ter passado ao presidente essa preocupação da indústria.

As tratativas constam de mensagens apreendidas pela PF em computadores de Mauro Marcondes. Na oitiva, o ex-ministro afirmou que o lobista tinha “acesso direto” a ele.

Num e-mail de 18 de julho de 2008, uma sexta-feira, Mauro Marcondes argumenta com o ministro que, se a regra entrasse em vigor no prazo previsto, os custos da indústria aumentariam 15%, poderia haver danos aos motores e os veículos, em vez de poluir menos, jogariam mais gases nocivos na atmosfera. Por isso, sustentou o lobista, era necessário manter o padrão de emissão em vigor na época, o Euro III, para modelos fabricados a partir de janeiro de 2010.

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“Se obtivermos uma negativa, teremos um caos na indústria de caminhões e no setor de transporte”, apelou o lobista, acrescentando: “O governo terá uma reunião na próxima segunda-feira para tratar do assunto com diversos órgãos competentes e, como você conhece profundamente esse assunto, pediria a gentileza de informar o presidente e nos ajudar a encontrar uma solução”, disse Mauro Marcondes.

A norma Conama foi editada em 12 de novembro de 2008 e, segundo o órgão, só entrou em vigor em 1º de janeiro de 2012. No depoimento, Miguel Jorge sustentou, contudo, que essa era a data originalmente prevista.

Em resposta ao lobista em 23 de julho, na quarta-feira seguinte, Miguel Jorge escreveu que já sabia dos resultados da reunião e que estava atento ao “desenrolar do processo”. Ele afirma que discutiria a questão com Lula e a presidente Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil: “Você conhece a posição do chefe com relação a isso, mas, de qualquer forma, devo me encontrar com a ministra Dilma com ele mesmo amanhã para atualizarmos a questão”.

O ex-ministro disse à PF não se recordar do encontro com Dilma, mas confirmou ter levado o recado a Lula. Segundo ele, a norma “Euro VI” foi adotada na data originalmente prevista pelo Conama. Ele explicou que a “preocupação do chefe”, mencionada no e-mail, era a preocupação de Lula de atender à exigência de redução de poluentes sem a produção do combustível adequado pela Petrobras.

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Em 31 de julho, Mauro ainda escreve que precisava conversar com o ministro, pois poderiam “construir uma solução”, e pede a ele uma “forma de comunicação para poder falar abertamente sobre o assunto”.

Brindes

Os documentos apreendidos pela PF mostram que o lobista ofertava brindes a pessoas do governo. Uma mensagem de 11 de julho daquele ano relaciona diversas pessoas que seriam contempladas com “convites”, possivelmente para um evento em Interlagos. Entre elas, estava o próprio Miguel Jorge, o filho dele, Tiago, e o atual presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. Também estava na lista um dos filhos do ex-chefe de gabinete do então presidente, Gilberto Carvalho.

No e-mail de 23 de julho, Miguel Jorge afirma ao lobista que o filho Tiago “adorou ter ido a Interlagos e participado da festa de vocês”. “Nós nos encontramos à noite e ele estava entusiasmado. Foi pena não ter ido, mas não aguentaria”, acrescentou. No depoimento, o ex-ministro afirmou que o entusiasmo do filho se referia, provavelmente, a uma corrida de automóveis em Interlagos.

Luciano Coutinho informou, por sua assessoria, que se lembra do convite, que não foi ao evento e que não se lembra de ter ido a Interlagos na vida. Ele acrescentou que não tem relacionamento com Mauro Marcondes.

Gilberto Carvalho não foi localizado.

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O Instituto Lula informou que o ex-presidente não comentaria.