Por “interesse do país”, o Itamaraty concedeu no governo Dilma Rousseff (PT) passaportes diplomáticos a ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Contas da União (TCU), mesmo com boa parte dessas ex-autoridades atuando na advocacia e consultoria privadas.
A atual gestão do Ministério das Relações Exteriores recebeu em julho da Advocacia-Geral da União (AGU), após provocação do ministro José Serra, um parecer que sustenta que a simples justificativa do “interesse do país” não é suficiente para a concessão do benefício. A pasta já suspendeu esse tipo de passaporte para líderes religiosos e pretende encerrar de vez as emissões até o fim do ano. Ainda não está claro o que será feito em relação a outros grupos com direito ao documento.
O passaporte diplomático permite acesso especial nas filas de imigração nos aeroportos e a dispensa de visto em determinados países. Um decreto de 2006 lista as autoridades com direito ao benefício: presidente, vice-presidente e ex-presidentes da República; ministros de Estado; governadores; deputados e senadores; ministros de tribunais superiores e do TCU; procurador-geral da República e subprocuradores-gerais; além do corpo diplomático brasileiro. O decreto não lista líderes religiosos ou ex-ministros, e fala em concessão do passaporte a critério do chefe do Itamaraty, desde que atendido o “interesse do país”.
Do STF, oito ministros aposentados receberam — ou renovaram — passaportes diplomáticos desde 2013: Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Nelson Jobim, Eros Grau, Ayres Britto, Sydney Sanches, Luiz Octavio Gallotti e Ilmar Galvão. Os seis primeiros são atuantes na advocacia privada. Os ofícios ao Itamaraty com pedidos de concessão de passaportes diplomáticos aos ex-ministros partiram do próprio STF. À reportagem, a assessoria de imprensa do tribunal informou que “o STF somente encaminha os pedidos ao MRE mediante solicitação formal do interessado”.
Ainda conforme o STF, a concessão do passaporte diplomático leva em conta a previsão existente para ministros no decreto de 2006 e a “vitaliciedade” do cargo prevista na Constituição e na Lei Orgânica da Magistratura. Os extratos das decisões do ministro do Itamaraty, na verdade, mostram que os passaportes especiais são concedidos com base no parágrafo que cita o “interesse do país”.
Dois ex-ministros do STJ têm o passaporte especial, obtidos depois da aposentadoria: Cesar Asfor Rocha, que atua como advogado, e Paulo Roberto Saraiva Leite. A assessoria de imprensa do STJ confirmou que os pedidos partiram dos ex-ministros, em 2015. Não há outras ex-autoridades com o benefício, conforme o STJ. “O tribunal, à época, entendeu que a solicitação atendia aos critérios dispostos na legislação vigente”, disse a assessoria.
No caso do TCU, o ex-ministro Valmir Campelo ganhou passaporte diplomático quando já tinha deixado uma das vice-presidências do Banco do Brasil, cargo exercido depois do TCU. O Itamaraty também atendeu a pedido do tribunal para conceder o benefício ao procurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Paulo Soares Bugarin. Este cargo não está relacionado no decreto de 2006. A concessão foi por “interesse do país”.
O cargo de procurador-geral se equipara ao de ministro, conforme o TCU. E, no caso de ministros aposentados, há “amparo normativo mediante autorização do ministro das Relações Exteriores”, disse a assessoria do tribunal.
Desde 2011, o Itamaraty já emitiu mais de 15 mil passaportes diplomáticos. Para se ter ideia da dimensão dessa quantidade, o ministério tem 3,3 mil funcionários. O jornal O Globo pediu, via Lei de Acesso à Informação, a relação de todos os passaportes vigentes concedidos com base no critério do “interesse do país” e enviou ao Itamaraty questionamentos sobre os passaportes dados a ex-ministros. Não houve respostas até o fechamento da edição.
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