A equipe de transição que prepara as primeiras ações do futuro governo Dilma Rousseff descobriu que a promessa de campanha de criação de 500 unidades de pronto atendimento (UPAs) está ameaçada. E o motivo é falta de profissionais de saúde. Há duas semanas, ao conversar com representantes do setor, a equipe de Dilma se deparou com números preocupantes. Para cumprir a principal meta no setor, faltam aproximadamente 40 mil médicos - um total que não está disponível ainda no país. Outra constatação é que 30% das equipes do programa Saúde da Família não contam com esse tipo de profissional.
Um dos secretários de Saúde que estiveram no encontro com a presidente eleita, o baiano Jorge Solla afirmou que praticamente se firmou um consenso na linha de que, no governo Dilma, será necessário repensar a formação de médicos para suprir a carência, da mesma forma que se tem feito com engenheiros para tocar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Uma saída analisada no encontro, realizado em Brasília, seria facilitar o reconhecimento de diplomas de outros países, embora a categoria médica ainda enfrente dificuldade para aceitar essa possibilidade.
- Conheço uma tribo que tem dois índios formados em outro país, mas eles não podem atuar por causa da falta de reconhecimento de diploma - disse Solla.Problema é de gestão, teria dito ela
Outra discussão polêmica foi sobre a criação do serviço civil obrigatório, semelhante ao serviço militar. Seria alternativa para minimizar a falta de profissionais de saúde nos rincões do país.
- Essa poderia ser uma boa solução para reforçar as equipes do Saúde da Família - afirmou Solla, um dos cotados para assumir o Ministério da Saúde no lugar de José Gomes Temporão.
Arthur Chioro, secretário de Saúde de São Bernardo do Campo (SP), reforçou que a falta de médicos, que antes era algo que ocorria em locais longíquos, agora é percebida nos grandes centros. Disse que o problema afeta mais algumas especialidades, como pediatria e psiquiatria, e que o governo terá de enfrentar essa questão, inclusive realizando um planejamento de longo prazo que utilize incentivos na residência médica para formar determinados especialistas.
- Nem mesmo o Rio, que é a cidade que proporcionalmente tem mais médicos no Brasil, está livre da carência de alguns profissionais - disse.
Em seu último contato com representantes do setor de saúde, Dilma confidenciou que, mesmo estando no governo como ministra por oito anos, só conheceu realmente a situação no SUS durante sua campanha. Segundo ela, o governo federal libera recursos que não chegam a diversos municípios, onde a gestão não existe e a corrupção corre solta. Não houve avanço nesse aspecto no governo Lula, teria admitido o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.
- Não adianta ter dinheiro, se você não resolve o problema de gestão. Ao fazer a campanha, eu percebi que há uma imensa descrença da população no SUS. Não há sintonia entre os que não usam o SUS e aqueles que não têm outra opção - disse a presidente eleita, segundo relatos de pessoas que participaram da reunião.
Dilma afirmou ter hoje uma visão clara sobre o que pensa a população a respeito da criação de mais um tributo na saúde.
- O povo não quer a CPMF - teria enfatizado Dilma.
Na equipe de transição, a avaliação é que há três grandes problemas na saúde a serem enfrentados: financiamento, falta de recursos humanos e casos de corrupção e desperdício. Um dos caminhos seria resolver alguns anacronismos da legislação. Nenhum profissional pode receber um salário maior do que o chefe do Executivo. O SUS convive com dificuldades, por exemplo, para contratar neurocirurgiões e especialistas em transplantes.
Convencida de que a gestão é o grande gargalo na área de saúde, em que municípios, estados, governo federal e iniciativa privada não falam a mesma língua, Dilma pretende reestruturar o setor. Ela sabe que modernizar a gestão e definir regras claras seria fundamental para avançar na saúde, um dos principais problemas do país e setor mal avaliado no atual governo.
O Hospital do Subúrbio, em Salvador, foi apontado como exemplo a ser estudado pelo governo federal. É o primeiro estabelecimento que funciona em regime de parceria público-privada (PPP), e foi citado na reunião. É administrado pelo consórcio Prodal Saúde S.A., vencedor da licitação realizada pelo governo da Bahia. Esse modelo reduz custos, e o grupo tem como responsabilidade equipar e manter o estabelecimento por dez anos, contratar pessoal e adquirir equipamentos. Inaugurado parcialmente há poucos meses, poderá inspirar modelos de cooperação pelo país.
Arthur Chioro confirmou que a presidente eleita quer rever a relação entre os serviços de saúde público e privado. Além de elogiar a parceria, Dilma sinalizou que é preciso definir mais claramente a função de cada serviço. Ela reclamou, por exemplo, que pessoas que têm plano de saúde utilizam o serviço público para serviços de emergência e de maior complexidade, porque muitos hospitais privados não oferecem este tipo de serviço.
- Na educação, as regras são claras: prefeituras cuidam do ensino fundamental; estados, do ensino médio; e o governo federal, do universitário. O novo governo quer seguir este exemplo na saúde, definir muito bem funções e responsabilidades. Também será necessário estruturar programas: por que alguns brasileiros têm direito ao Samu e ao Saúde da Família e outros não? - exemplificou Arthur Chioro.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura