O jornalista Eugênio Bucci, colunista do jornal O Estado de S.Paulo, retratou recentemente uma cena da política brasileira. Numa entrevista com Jânio Quadros, no início dos anos 1980, o ex-presidente foi questionado: “Do que é que o senhor vive?” Enquanto pensava na resposta, Jânio sacou um maço de cigarros do bolso e, apenas a menção de colocá-lo à boca foi suficiente para fazer acender 20 isqueiros ao seu redor. “E falou, com aquela sua prosódia inconfundível: ‘Priecieso riespoder?’”, relatou o jornalista.
Uma década depois, em entrevista ao Jornal do Brasil, Norberto Odebrecht – fundador da empreiteira de mesmo nome – declarou sobre a corrupção no país: “Acho que a sociedade está toda corrompida e corrompe. Hoje, para o sujeito resolver alguma coisa, até para ele sair de uma fila do INPS [atual INSS], encontra seus artifícios de amizade, de um presente ou de um favor. Isso é considerado um processo de suborno. O suborno não é considerado um problema de valor, é a relação estabelecida”.
Confira alguns casos polêmicos de ‘favores’ e apadrinhagem entre políticos e empresários
Leia a matéria completaQualquer semelhança não é mera coincidência com as recentes notícias de “favores” recebidos pelos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso. Ao primeiro, são imputadas suspeitas de benefícios ganhos em forma de reformas e privilégios em um apartamento triplex no Guarujá (SP) e um sítio em Atibaia (SP). Já o tucano é alvo de um inquérito que investiga a ocorrência de “eventuais ilícitos criminais” na utilização de uma empresa – que operava o serviço de duty free nos aeroportos em seu governo – para enviar dinheiro a sua ex-amante e ao filho dela no exterior.
Não há nada provado contra os ex-presidentes, diferentemente dos agentes públicos e privados já condenados pela Lava Jato. “Mesmo nesse caso [de esquema de corrupção na Petrobras], não há informações de dinheiro sendo colocado em cima da mesa. Há um trabalho de sedução de pessoas, com almoços, jantares, e pequenos favores”, diz o antropólogo social Marcos Otavio Bezerra, da Universidade Federal Fluminense (UFF). É aí, porém, que o problema começa, como aponta o especialista.
Jogo de sedução
Esse jogo de sedução descrito por Bezerra é resumido pelo advogado Claudio Henrique de Castro como “jeitinho”. “O jeitinho pode estar dentro e fora da legislação e é inclusive consagrado no Brasil”, diz. A característica, segundo ele, é agravada quando quem se quer seduzir é um “padrinho” dentro da administração, figura a quem se recorre quando há alta burocracia para manter negócios com o poder público. “O padrinho pode não fazer algo ilícito, mas pode ajudar a ‘fazer correr mais rápido’ o processo, por exemplo”, aponta.
O apadrinhamento pode descambar em promiscuidade entre entes privados e públicos, como aponta o cientista político da UFMG Manoel Leonardo Santos. “Não existe almoço grátis. Se alguém presenteia ou distribui um serviço gratuitamente, no mínimo, quer ter acesso político”, avalia. Para o especialista, a linha entre o favor, o presente e a ilicitude é tênue, o que dificulta ainda mais o combate a esse tipo de prática. “A solução fica no comportamento ético do indivíduo. Aceitar uma garrafa de whisky é uma coisa, mas um carro, é outra”, acrescenta.
Diálogo
Os especialistas consultados pela reportagem destacam que a relação próxima entre privados e públicos no Brasil não deve ser vista sempre como promíscua. “Essa relação, na verdade, é desejada. É importante que o Estado esteja em diálogo com os setores da sociedade”, aponta o Antropólogo Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcos Otavio Bezerra.
Eles ressaltam, porém, que, mesmo nas relações interpessoais, o “jeitinho” está presente no Brasil. “A sociedade brasileira faz essa confusão entre público e privado e, consequentemente, tolera esse tipo de situação”, observa o cientista político da UFMG, Manoel Leonardo Santos, que destaca que essa visão tem mudado ao longo dos anos.
O advogado Claudio Henrique de Castro acrescenta que essa mesma característica possui aspectos positivos. Ele cita como exemplo o uso de bebida alcoólica pelos combatentes brasileiros na 2ª Guerra Mundial. “Era algo totalmente proibido em um campo de guerra, mas fez os soldados sobreviverem ao frio”, descreve.
Combate
Santos observa que uma maior transparência na relação empresarial com a administração pública só será conquistada se houver uma regulamentação do lobby no país. “Isso não impede o comportamento criminoso, mas talvez estabeleça limites mais claros”, diz. O cientista político aponta, porém, que propostas como esta existem desde 1984 no Congresso Nacional, mas, até então, nenhuma foi aprovada. “O lobby deve existir e existe, o problema é que a profissão ‘lobista’ virou sinônimo de corrupção”, acredita.
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