O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ficou incomodado com as pressões que o PMDB fez para ocupar cargos em seu governo, de acordo com novos trechos dos diários que o líder tucano manteve no período em que governou o país e que foram divulgados neste sábado (14) pela revista “Veja”.
Numa anotação feita em abril de 1997, Fernando Henrique conta que o então líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), ameaçou negar apoio ao governo no Congresso se o partido não obtivesse a indicação do deputado Eliseu Padilha (RS) para o Ministério dos Transportes.
A ameaça teria sido feita ao então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, um dos principais articuladores políticos de FHC, durante uma festa na casa do então deputado e hoje presidente interino Michel Temer.
“Eu já tinha decidido que não vou nomear Eliseu Padilha nenhum, porque esta pressão está cheirando mal”, diz Fernando Henrique em seus diários. “Até tenho simpatia pelo Eliseu, mas, do jeito que as coisas estão se colocando, isso está mal.”
Padilha foi nomeado ministro dos Transportes menos de um mês depois desse episódio e permaneceu no governo tucano até o fim de 2001. Com a posse de Temer como presidente interino na semana passada, Padilha assumiu a chefia da Casa Civil e Geddel Vieira Lima, a Secretaria de Governo.
Na época em que o grupo pressionava Fernando Henrique para ocupar o Ministério dos Transportes, os tucanos precisavam do apoio do PMDB para aprovar no Congresso o Fundo de Estabilização Fiscal, que permitiria ao governo conter suas despesas eliminando parte dos gastos com saúde e educação que eram exigidos pela Constituição.
Na mesma época, Fernando Henrique registrou em seus diários um telefonema em que Temer se mostrou “inquieto” após a publicação de uma entrevista em que o então presidente cobrara o apoio do Congresso e dissera que faltava “coragem” aos parlamentares para aprovar as reformas propostas pelo governo.
As anotações de FHC divulgadas neste sábado fazem parte do segundo volume de seus diários, que cobre os acontecimentos de 1997 e 1998 e deve chegar às livrarias neste mês. O primeiro volume dos diários foi publicado no ano passado. Haverá mais dois volumes, que devem ser publicados até o primeiro semestre de 2017.
Os diários reproduzem gravações que o ex-presidente fez quase diariamente durante seu governo. Esses registros foram preservados depois que ele deixou a Presidência e transcritos nos anos seguintes por uma assessora, Danielle Ardaillon. Na introdução do primeiro volume, FHC disse que a edição final dos diários preservou os registros praticamente na íntegra, eliminando apenas repetições e, “em pouquíssimos casos”, expressões que ele julgou ofensivas.
LULA
De acordo com os trechos do novo volume antecipados pela revista “Veja”, o ex-presidente viu com ceticismo as possibilidades de diálogo com a oposição que surgiram após sua reeleição em 1998, quando ele chamou para uma conversa no Palácio do Alvorada o candidato petista que derrotara pela segunda vez, Luiz Inácio Lula da Silva.
“Lula estava bem disposto, elegante, mais bonito, com o pensamento solto”, anotou Fernando Henrique após o encontro, que ocorreu em dezembro daquele ano e foi noticiado pelos jornais da época sem muitos detalhes. Ele descreveu a conversa como amistosa, mas acertou ao prever que dificilmente teria resultados práticos.
“Lula, eu não quero nada de você, a não ser que estejamos abertos para o imprevisível”, disse Fernando Henrique, segundo suas recordações. “Quando se pensa que vai ocorrer o inevitável, acontece o inesperado.” Segundo o ex-presidente, a ideia era manter “portas abertas” para o diálogo com a oposição.
Lula sugeriu que eles definissem uma agenda com pontos específicos. FHC propôs que agissem com discrição, para evitar que um debate público inviabilizasse a iniciativa. O tucano achava o rival petista desinformado sobre seu governo: “Acho que ele não sabe, não registra, o que o governo faz, como se não existisse. Mas, à parte isso, ele continua sendo uma pessoa viva, interessada e com uma integridade básica, me parece”.
Fernando Henrique achava que qualquer tentativa de diálogo encontraria a oposição do PT e por isso não prosperaria. “[A] tendência [] de o PT querer ter monopólio do poder é verdadeira. O PT não aceita os outros, na prática não aceita alianças. Mas o Lula me pareceu aberto. Acho que foi um passo importante”, anotou o ex-presidente.
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