O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pintou um futuro sombrio para a democracia no Brasil se não forem feitas modificações no sistema político, a começar pela introdução do voto distrital já nas eleições municipais do próximo ano.
``Não estou prevendo nada, isso não está acontecendo agora, por isso mesmo é um bom momento para discutirmos isso'', disse Fernando Henrique durante seminário sobre o voto distrital, após apontar para o ``risco do desmoronamento das instituições republicanas''.
Para o ex-presidente, a crescente falta de credibilidade do Congresso depois de seguidos escândalos indica que ``estamos nos aproximando, se é que já não estamos lá, de uma crise de legitimidade''.
O que chamou de esgarçamento do sistema tem acontecido seguidas vezes na América Latina. Citou os exemplos do Peru, de Alberto Fujimori; da Argentina, com a revolta do final de 2001, que derrubou presidentes com a palavra de ordem ``que vayan todos''; e da Venezuela, em uma alusão aos poderes especiais do presidente Hugo Chávez para governar.
``Aquele sistema (político) pré-Chávez já vinha apodrecendo há algum tempo'', disse Fernando Henrique.
Na sua avaliação, desde a redemocratização, o Brasil tem conseguido manter as instituições, ``apesar de muitos abalos'', mas isso está ocorrendo ``com perda de crença nelas'' e uma crise institucional não pode ser descartada.
``Pode começar com um PCC fazendo bagunça e alguém fala para 'colocar ordem na casa', e como faz isso? 'Fecha o Congresso''', exemplificou.
O maior problema hoje, disse, é o da impunidade.
``Não existe a crença de que a lei é para ser respeitada. Mais do que isso, existe a prova diária de que a lei não é para ser respeitada'', disse. ``Nós não acreditamos que a lei seja igual para todos porque ela não é.''
Numa crítica direta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lembrou declaração do petista no início do escândalo do mensalão, de que caixa 2 é algo que ``todo mundo faz''.
``Simbolicamente, ele estava dizendo que vale tudo'', disse Fernando Henrique.
Solução inicial
Para recuperar a credibilidade das instituições, defendeu, é preciso uma reforma política que tenha um ponto de partida radical, a introdução do voto distrital para o Legislativo.
Atualmente, os deputados e vereadores são eleitos no sistema proporcional, no qual o eleitor vota nos candidatos ou na legenda dos partidos e as cadeiras no Legislativo são distribuídas na proporção do total de votos obtidos pelas siglas.
Já o voto distrital puro, defendido por Fernando Henrique, prevê a divisão do município ou dos Estados em distritos, nos quais cada partido teria apenas um candidato, como numa votação majoritária. O candidato mais votados no distrito é eleito.
Num exemplo simples: o Estado de São Paulo, que hoje tem 70 deputados federais, poderia ser dividido em 70 distritos. Seriam 70 eleições majoritárias para a composição da bancada paulista na Câmara dos Deputados. Fernando Henrique argumentou que esse sistema permitiria uma ligação maior entre o eleitor e o eleito e, desse modo, uma cobrança mais efetiva de seu desempenho como parlamentar.
Além disso, a mudança ajudaria a fortalecer os partidos e a própria a governabilidade. Hoje, explicou, o presidente da República (seja ele quem for) tem que negociar, praticamente, com cada um dos deputados, que atuam de forma muito independente dos partidos.
Já o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), também presente ao seminário, ressaltou as distorções que o voto distrital puro pode causar, e defendeu o voto distrital misto, que teria parte dos parlamentares eleitos por distritos e outra de forma proporcional, como se dá hoje.
Ele citou como exemplo de distorção do voto distrital puro, uma eleição na Grã-Bretanha, onde os trabalhistas conseguiram 35,3 por cento dos votos totais, mas obtiveram 356 cadeiras (62 por cento do total), enquanto os conservadores alcançaram 32,3 por cento dos votos, mas apenas 198 cadeiras (34 por cento).
Mas Fernando Henrique considera que o distrital puro, por ser mais simples de ser explicado, tem maior poder de mobilização. Ele não vai resolver tudo, disse, mas pode levar a outras mudanças no sistema político brasileiro. ``Temos que focar, queremos dar o foco.''
Para começar, defendeu projeto do deputado tucano Arnaldo Madeira (SP), que prevê a introdução do voto distrital puro nas eleições municipais de 2008. ''Se não tivermos prazo, as coisas não se concretizam'', disse, ao justificar a pressa na adoção da medida. Perguntado se haveria tempo hábil para aprovar o projeto, respondeu: ``Tempo há quando há vontade para fazer''.
Fernando Henrique disse que o voto distrital poderia ocorrer nos municípios que podem ter dois turnos na eleição para prefeito.
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