"Sentimento de orgulho cidadão" - assim a filha do ex-deputado Rubens Paiva, Vera Paiva, definiu o que a família sentiu ao ouvir um discurso inédito do então deputado, feito na madrugada do dia 1º de abril de 1964 (com o golpe militar em andamento desde o dia anterior), na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
"Foi uma emoção sem par para toda a família, depois de 43 anos, ouvir a voz de Rubens Paiva. Naquele tempo, a gente não tinha condição de guardar a voz. Tudo o que temos são fotos e algumas imagens, mas sem voz", disse Vera, emocionada. Para ela, ouvir a voz do pai 43 anos depois fez despertar um orgulho profundo. "Orgulho profundo em ver a atitude dele de sair de São Paulo, onde morávamos, e ir até a Rádio Nacional, no Rio, para, em um ato de coragem, apoiar a legalidade", revelou.
No discurso, de pouco mais de quatro minutos, Paiva se dirige aos habitantes de São Paulo e faz um apelo ao vivo em defesa da legalidade do presidente João Goulart.
"Desejo conclamar a todos os trabalhadores de São Paulo, todos os trabalhadores portuários e metalúrgicos da Baixada Santista, de Santos, da capital e das cidades industriais, de São Paulo e todos os universitários que se unam em torno dos seus órgãos representativos, obedecendo a palavra de ordem dos seus comandos... para que todos, em greve geral, deem sua solidadriedade integral à legalidade que ora representa o presidente João Goulart", diz o então deputado no discurso.
Ele criticou a postura do governador de São Paulo à época, Adhemar de Barros (que apoiou o golpe militar), a quem chamou de facista a e golpista. O deputado defendeu as reformas de base propostas por João Goulart e rebateu as críticas usadas como justificativa para o golpe.
"O que se diz, que o governo pretende acabar com os direitos de propriedade, estabelecer o confisco de tudo o que existe como propriedade privada, é uma grande farsa. O que se pretende realmente, trabalhadores e estudantes de São Paulo, é tornar este governo incompatibilizado com a opinião pública sobre uma onda de mentiras e uma imagem deformada", denunciou. "O presidente João Goulart, em suas reformas, visa a tão somente dar ao povo brasileiro uma participação na riqueza deste país", disse Paiva. "É indispensável que se processe, de uma vez por todas, a divisão da riqueza brasileira por todos os seus habitantes".
No discurso, o deputado conclama ainda a população a resistir ao golpe e defender a legalidade. "É indipensável que o presidente e o governo contem com toda a mobilização da opinião pública, todos os trabalhadores, todos os estudantes, os intelectuais e o povo em geral para que, pacífica e ordeiramente, digam um não e um basta a esses golpistas que pretendem, cada vez mais, prestigiar uma pequena minoria privilegiada".
No dia 1º de abril de 1964, as transmissões da Rádio Nacional, em conjunto com outras emissoras, formavam uma cadeia em defesa da legalidade do mandato do ex-presidente João Goulart. "Estejam atentos às palavras de ordem que emanarem aqui da Rádio Nacional e de todas as outras rádios que estejam integradas nessa cadeia da legalidade. Julgamos indispensável que todo o povo se mobilize, tranquila e ordeiramente, em defesa da legalidade, prestigiando a ação reformista do presidente João Goulart que, neste momento, está com o seu governo empenhado em atender a todas as legítimas reivindicações de nosso povo".
Rubens Paiva desapareceu em 1971, após ser preso por uma equipe do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), em 20 de janeiro, em sua casa, no Rio. Ele foi entregue ao Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no dia seguinte.
A versão oficial da ditadura militar indicava o ex-deputado como desaparecido. Na versão divulgada pelo 1º Exército, Rubens Paiva foi resgatado por militantes de esquerda no dia 22 de janeiro de 1971, enquanto estava sob custódia dos militares. Desde então, Paiva nunca mais foi visto. As investigações da Comissão Nacional da Verdade indicam que o ex-deputado foi assassinado, sob tortura, nas dependências do DOI-Codi no Rio.
Em fevereiro, o coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Pedro Dallari, declarou que o general José Antônio Nogueira Belham e o tenente Antônio Hughes de Carvalho foram os autores da morte e da ocultação do cadáver de Rubens Paiva. Dallari recebeu documentos da Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-RJ) que comprovam que os órgãos de repressão do governo militar deram informações falsas sobre o caso do ex-deputado.
"Sem dúvida alguma, o oficial Hughes, porque se envolveu diretamente nos atos de tortura e pelo fato de ser o comandante da unidade, estando presente no local, participando das circunstâncias da morte de Rubens Paiva, e o general Belham, à época major e comandante do DOI", disse Dallari ao participar da apresentação do relatório preliminar de pesquisa do caso Rubens Paiva feito pela CNV.
Durante o período de novembro de 1970 a maio de 1971, o general Belhan era comandante do DOI do 1º Exército, na zona norte do Rio, para onde foi transferido Rubens Paiva, depois de ter passado pelo Quartel da 3ª Zona Aérea, localizado próximo ao Aeroporto Santos Dumont, no centro da capital fluminense. Ele foi para a unidade da Aeronáutica após ser preso, em casa, no Leblon, por seis agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa).
Na última terça-feira (18), a Câmara dos Deputados recebeu pedido da CNV para ajudar nas investigações sobre o desaparecimento do corpo de Rubens Paiva. A intenção é que o Parlamento chame novamente o general José Antônio Nogueira Belham para prestar depoimento.
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