Refinaria Getúlio Vargas (Repar), em Araucária: problema técnico levou à paralisação da produção.| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Petistas defendem mudanças

Os efeitos da Operação Lava Jato no Congresso devem ser mais lentos que a avalanche que se abateu sobre o mundo empresarial e atingiu executivos das principais empreiteiras do país. A citação de um número expressivo de parlamentares que estariam envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras, cerca de 70, deixou o Parlamento apreensivo, mas a tendência, acreditam líderes partidários, será de cautela em relação a cassações de mandato.

Primeiro, dizem, é preciso aguardar a denúncia do Ministério Público (MP). E só após a revelação de provas mais contundentes e a aceitação da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) os casos devem avançar no Conselho de Ética.

Líder do maior partido da base no Congresso e forte candidato a presidir a Câmara nos próximos dois anos, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) defende que eventuais processos de cassação só tenham início após manifestação do STF. "Imagine o sujeito citar o nome, dizer que esteve com a pessoa, que recebeu doação na casa. Cadê a prova? Esse processo terá que ser tratado com normalidade institucional", argumenta.

Mesmo na oposição o raciocínio é cauteloso. Embora afirmem que o Congresso pode se antecipar ao Supremo e dar início a processos de cassação, líderes destacam a necessidade de provas sólidas do envolvimento de senadores e deputados nas irregularidades. Líder do DEM, o deputado Mendonça Filho (PE) sinaliza que a oposição será cuidadosa. "Para ser envolvido, é preciso que se tenha provas ou ao menos indícios muito fortes de atos ilícitos, provas testemunhais e factuais. Mas claro que todo mundo que tiver envolvimento nesses crimes tem que ser punido", afirma.

Para o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP), o processo de cassação no Congresso não depende de uma ação anterior do Supremo. O senador tucano cita casos como o do ex-deputado Ibsen Pinheiro, que teve seu mandato cassado no âmbito da CPI do Orçamento, mas não sofreu condenação judicial. "Para abrir um processo no Congresso, basta você ter o cheiro, não a prova concreta. A noção de decoro, que é política, não se confunde com a condenação judicial."

Em meio a isso tudo, a tropa de choque governista trabalha no Congresso para vincular todos os partidos da base e da oposição ao esquema de corrupção na Petrobras e viabilizar, assim, a possibilidade de um "acordão" que preserve a maior parte dos parlamentares citados na investigação.

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O fim do financiamento privado para campanhas eleitorais é tema recorrente de debate político, principalmente depois que as investigações da operação Lava Jato comprovaram a relação promíscua entre o setor privado e políticos. De um lado, entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE), defendem a medida como solução para o fim da corrupção, que se baseia fortemente nas doações eleitorais. Já especialistas ponderam os benefícios da medida e apontam consequências contrárias às esperadas, como o aumento da prática do caixa dois.

Para que o financiamento público funcione, o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), aponta que seria necessário um esforço do Congresso Nacional em fornecer recursos humanos e materiais para a Justiça Eleitoral combater a prática irregular. "E isso não vai acontecer", diz.

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Segundo Fleischer, o caixa dois já é uma atividade ilegal, e mesmo assim, isso não impede que a prática ocorra. Proibir as empresas de participarem do processo eleitoral geraria novas formas ilegais de distribuir dinheiro para políticos e partidos, analisa o professor.

O cientista político Manoel Leonardo dos Santos, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda e destaca que o ideal seria a criação de um sistema viável de financiamento privado de campanhas e não simplesmente a proibição. "Hoje o dinheiro tem muita força no resultado eleitoral e isso precisa ser controlado, mas uma mudança muito brusca pode ser problemática. Temos de criar condições objetivas para os partidos arrecadarem", defende.

Para Santos, o ideal seria a criação de um teto máximo de doações empresariais e também de gastos com as campanhas. Além do aumento no controle. "O financiamento público exclusivo, por exemplo, tem muitos aspectos negativos como o congelamento do sistema partidário, favorecimento dos detentores de mandatos e dos grandes partidos", afirma.

A proposta encabeçada por OAB e MCCE defende o modelo de financiamento chamado pelo grupo de "público democrático". Nesse caso, as empresas não poderiam mais fazer doações e os cidadãos contribuiriam com um teto de até um salário mínimo direcionado aos partidos e não aos candidatos. "As eleições brasileiras são pagas por empresas e isso está errado", destaca o juiz Márlon Reis, representante do MCCE. Segundo o magistrado, as empresas não são titulares de direitos políticos, não exercem cidadania e visam apenas obter lucro.

Proibição de doações privadas já tem maioria no Supremo

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Embora especialistas concordem que é função do Congresso discutir mudanças no sistema eleitoral, o Supremo Tribunal Federal examina desde 2011 uma ação proposta pela OAB pelo fim do financiamento empresarial de campanhas. O julgamento foi suspenso em abril deste ano, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vistas (mais tempo para analisar o tema), depois que a maioria dos juízes já havia votado pela proibição (seis, de um total de onze).

Com a maioria praticamente definida (praticamente porque, embora improvável, existe a possibilidade de mudança dos votos já dados) , é vista como certa a decisão final pela ilegalidade do financiamento empresarial. Ainda não há previsão de quando o julgamento será retomado.

Hoje o financiamento de campanha no Brasil é público e privado. Políticos e partidos recebem dinheiro do Fundo Partidário (formado por recursos do orçamento, multas, penalidades e doações) e de pessoas físicas (até o limite de 10% do rendimento) ou de empresas (limitadas a 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição).

Nas eleições deste ano, as empreiteiras envolvidas nas investigações da operação Lava Jato doaram cerca de R$ 50 milhões para 41% dos parlamentares que tomam posse em 2015. Ao todo, 243 deputados e senadores receberam colaboração financeira para suas campanhas das empresas investigadas nessas eleições. Já para os dois principais candidatos à Presidência – Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) —, as nove empreiteiras doaram R$ 65,1 milhões.

Itália e Espanha

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Eleições 100% públicas não evitaram escândalos

Outros países do mundo viveram grandes escândalos de corrupção e caixa dois mesmo com sistemas eleitorais que previam o financiamento exclusivamente público de campanhas eleitorais. No começo dos anos 90, autoridades da Itália acabaram com um engenhoso esquema que envolvia empresas, a máfia e o poder público. Batizada de operação Mãos Limpas, a iniciativa é apontada como "inspiração" pelos policiais federais e autoridades brasileiras que deflagraram a Lava Jato.

A Mãos Limpas desvendou pagamentos de propinas a políticos por empresários para vencerem grandes licitações, como a construção do Palácio da Justiça e do estádio de futebol de Pádua, no Nordeste do país, entre outras operações ilegais. A ação resultou em mais de mil prisões de bandidos comuns, empresários e políticos.

Na época, a legislação eleitoral italiana previa apenas o financiamento público de campanhas e proibia o caixa dois. A operação motivou a alteração do sistema de financiamento, realizada através de um referendo público.

Outra situação envolveu o ex-tesoureiro do Partido Popular (PP) espanhol Luis Bárcenas, que foi preso por crimes fiscais e de lavagem de dinheiro num financiamento irregular relacionado ao partido. Segundo a acusação, o ex-tesoureiro transferiu US$ 62,4 milhões (R$ 156 milhões) para a Suíça.

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Além disso, Bárcenas é suspeito de ser o autor de documentos que indicam a existência de um caixa dois do PP que beneficiaria o próprio presidente, Mariano Rajoy. O partido nega as acusações. A Espanha também tem financiamento 100% público.