Anos de pasmaceira depois, Executivo e Legislativo são tomados por um sentido de urgência cuja motivação é conhecida: a determinação da sociedade de entrar de sola no jogo. Ótimo, saudável e mais que necessário.
Isso do lado A. Do lado B há os problemas decorrentes da inimizade entre a pressa e a perfeição. Os especialistas alertam para as consequências ruins que a maneira inconsequente de responder aos protestos pode gerar na economia: menos ajuste, menos racionalidade na tomada de decisões, mais desajuste, mais inflação.
O terreno é fértil para a demagogia em todos os campos. Assim é também na política, como se viu pelo espetáculo de desfaçatez estrelado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, na vocalização de uma pauta de votações que inclui de tarifa zero para estudantes nos transportes públicos ao enquadramento da corrupção no rol dos crimes hediondos.
Como se não fosse ele mesmo um dos itens do protesto, com seu embornal de denúncias e a provocativa volta à presidência do Senado.
Por esta e muitas outras, hedionda é a descompostura de suas excelências legislativas e executivas que agora correm atabalhoadamente para tentar zerar em dias o passivo acumulado durante décadas.
Não havia outro jeito, é verdade. Mas tinham o dever de aliar a esse movimento um mínimo de autocrítica e a explicitação de compromisso com a mudança de comportamento.
Cito muito e repito agora por adequada ao momento uma frase de Roberto Campos: "Não é a lei que precisa ser forte, mas a carne que não pode ser fraca". Não se ouviu da presidente, de ministros, de governadores e prefeitos palavra sobre a parte que lhes cabe no latifúndio de desmandos, equívocos e indiferença diante dos maus serviços prestados à população.
Tampouco se ouve dos congressistas e dos partidos um pedido de desculpas que seja pelo pouco caso de anos a fio em que o Parlamento, ressalvadas raríssimas ocasiões, representou a si mesmo.
Exemplo é a manutenção da política sob as mesmas regras de antanho enquanto o país avançava em outras áreas. Estava claro que um dia a casa cairia. Como reconstruí-la é o desafio que se impõe.
Inaceitável é que o açodamento, o afã de autoridades de todos os níveis e matizes se mostrarem atentas a um clamor que sempre ignoraram, resulte na aprovação de projetos e anúncio de medidas que levem a resultados opostos àquilo que a população saiu de casa para exigir: Estado organizado, presente, eficiente e decente.
Convém que não se brinque com o descontentamento porque o clima está mais para fogo na palha que para fogos de palha.
Meia-volta
Dilma Rousseff não se insurgiria contra um "volta Lula" do PT se fosse esta a vontade do ex-presidente. A questão é se ele estaria disposto a enfrentar a empreitada em ambiente de conturbação, adversidades de toda sorte e a perda de seu grande instrumento de pressão sobre os adversários: a ameaça de "mobilizar as ruas" sempre que o PT se viu acuado.
Há dois fatores a serem bem pesados e medidos: o risco de perder a eleição e a responsabilidade de, se ganhar, descascar o monumental abacaxi que será entregue ao eleito (ou reeleita) em 2014.
Note-se, ademais, o silêncio de Lula que desde o início dos protestos se manifestou uma vez, há exatos 14 dias, para dizer que "um sobressalto ou outro" não desviariam o Brasil "do caminho do crescimento".
Surgem cobranças aqui e ali para que o ex-presidente se manifeste. Faz sentido. Um político identificado com o povo como ele, dono de habilidade ímpar, sensibilidade e intuição celebradas em toda parte, seria de grande utilidade para ajudar a entender a situação e apontar saídas nesse momento de perplexidade.