O fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, 59, voltou nesta segnda-feira (27) ao local onde fez, há quase 38 anos, uma das mais conhecidas fotografias que retrataram a violência praticada pela ditadura militar: a imagem do jornalista Vladimir Herzog morto no antigo DOI-Codi de São Paulo - órgão da repressão durante o regime. A visita ocorreu a convite da Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, que pretende esclarecer as circunstâncias da morte de Herzog, morto após tortura no local. A expectativa do grupo era que o fotógrafo ajudasse a reconstituir a cena do crime.

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Mas as modificações realizadas no prédio desde então dificultaram o reconhecimento por Vieira do local exato onde Herzog foi fotografado. Atualmente, o prédio é ocupado pelo 36º Distrito Policial de São Paulo -na rua Tutoia, 921, Paraíso (zona sul). "Estou tentando reconhecer, mas está meio difícil, o lugar foi muito mudado", disse Vieira durante a visita.Ele reconheceu, porém, o portão de entrada pela rua Tomás Carvalhal. "Reconheço esse muro alto e o portão de ferro grande. Essa era a única memória minha desse local", disse.

Outros ex-presos políticos que participaram da visita reconheceram celas onde se lembram de ter sido torturados. Entre eles, Emílio Ivo Ulrich, Maria Amélia Teles e o vereador Gilberto Natalini, presidente da comissão municipal.

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Vieira tinha 22 anos quando, no dia 25 de outubro de 1975, foi chamado para a missão "ultra secreta" de fotografar Vladimir Herzog morto em uma sala do DOI-Codi. Ao chegar ao local, conta, encontrou Herzog pendurado por um cinto preso em uma janela e com os pés tocando o chão. Diz que levou menos de cinco minutos para entrar no prédio, fazer a imagem e partir. "O que me chamou mais atenção foram os pés [de Herzog] no chão. Se você observar a foto, você vai ver que os dois pés estão no chão. Eu achei estranho aquilo porque é difícil você cometer suicídio assim", afirma.

Na época, Vieira estava na segunda semana de um curso de fotografia da Polícia Civil e, junto com os demais alunos, foi colocado à disposição do Dops (Departamento de Ordem e Política Social)."Eu achava que ia ser uma foto de treinamento, e de repente foi uma coisa ultra sigilosa", disse durante a visita.Só no dia seguinte, quando começou a ouvir comentários sobre a morte de Herzog, Vieira entendeu que havia participado de uma farsa.

Nesta terça (28), a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo ouvirá depoimento do fotógrafo para obter mais detalhes sobre a farsa da morte de Herzog.

Fraude

Vladimir Herzog compareceu espontaneamente ao DOI-Codi após ter sido procurado por agentes da repressão em sua casa e na TV Cultura, onde trabalhava como diretor de jornalismo. Segundo testemunhas, ele foi torturado até a morte.

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Na época, a versão oficial apresentada pelo Exército foi a de que Herzog havia se suicidado. Ficou famosa a fotografia de autoria de Silvaldo Leung Vieira divulgada pelos militares, com a cena em que Herzog aparece pendurado pelo pescoço, mas com os pés tocando o chão.Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2012, o fotógrafo disse ter sido usado pelo regime militar para forjar a cena de suicídio.

Em março deste ano, após pedido da Comissão Nacional da Verdade, a família de Herzog recebeu um novo atestado de óbito, onde a informação da causa da morte foi corrigida.

Na certidão, passou a constar que Herzog morreu em decorrência de "lesões e maus tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do 2º Exército (DOI-Codi)", em substituição a "asfixia mecânica por enforcamento".

Metalúrgico

Menos de três meses depois de fotografar Herzog, Vieira voltou ao DOI-Codi, desta vez com a missão de retratar o cadáver do metalúrgico Manoel Fiel Filho, também morto no DOI-Codi e apresentado pelo Exército como suicida. Mas a missão não se concretizou, disse Vieira. "Nós fomos retirados antes, não entendi a razão."Segundo o fotógrafo, ele não chegou a ver o corpo do metalúrgico, e teve que sair do local após fazer comentários de que "coisas estranhas" aconteciam naquele lugar.

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"Eu fiz um comentário assim: 'Nesse lugar acontecem coisas estranhas'. Aí todo mundo se desviou, mandaram eu me retirar e fui embora. Nunca vi essa foto."Quando Vieira se deu conta de que a violência era praticada pelo próprio regime, resolveu deixar o trabalho no Instituto de Criminalística, e em 1979 se mudou para Los Angeles (EUA), onde vive até hoje.