Um dia após o juiz federal Sergio Moro encaminhar ao Supremo Tribunal Federal (STF) novas informações sobre o suposto envolvimento da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) com os desvios apurados pela apuração Lava Jato, a parlamentar questionou nesta quarta-feira (26) o teor do despacho. “A petição foi muito avassaladora. Na verdade, já remete ao STF uma condenação, uma sentença”, disse.
O despacho de Moro cita que parte do dinheiro repassado pela empresa Consist ao advogado Guilherme Gonçalves teria sido destinado à senadora. Gonçalves e a Consist foram alvos da 18ª fase da Lava Jato, deflagrada na semana passada e que apura desvios no Ministério do Planejamento. Os problemas investigados começaram em 2010, quando o marido da petista, Paulo Bernardo, comandava a pasta.
Uma planilha apreendida pela Polícia Federal no escritório de Gonçalves lista débitos como o pagamento de uma multa eleitoral relacionada ao nome de Gleisi, no valor de R$ 1,3 mil, e débitos relacionados a Zeno Minuzzo – secretário de finanças do diretório estadual do PT – e Hernany Mascarenhas – motorista. O dinheiro viria do que Moro mencionou como “Fundo Consist”.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Gleisi disse que conhece todos os citados, mas que não recebeu dinheiro de Gonçalves.
O que a senhora tem a dizer sobre o despacho com novas acusações contra a sra. encaminhadas pelo juiz Sergio Moro ao STF?
É uma petição muito dura, que faz uma avaliação, um julgamento e uma condenação. Falando que eu estou envolvida em atos ilícitos. Óbvio que eu vou ter um processo para me defender no inquérito, mas resolvi fazer um pronunciamento para rebater todos os pontos que foram levantados. O que está ali não condiz com a minha conduta.
O texto de Moro fala em um Fundo Consist, com parte de recursos que seriam destinados especificamente à senhora.
Parece que eu recebi dinheiro do Guilherme quando se fala isso. Mas eu não recebi dinheiro. As únicas coisas que o Guilherme pagou de despesas minhas foram processuais e multa relativa à campanha. Ele foi meu advogado de campanha, então não acho que isso seja anormal. Em relação ao motorista, o Hernany, eu o conheço há muito tempo, é um militante do PT. Estava desempregado e o Guilherme o chamou para trabalhar com ele, para atender à família e a ele pessoalmente. Como eu estava sem escritório em Curitiba, era época que eu não estava no mandato do Senado, o Guilherme colocou o Hernany à disposição. Soube que eu estava sem estrutura e disse: “olha, quando você precisar de alguém para ir ao aeroporto, em algum lugar, eu poderia ligar ao Hernany”. Utilizei [os serviços] muitas vezes, mas nunca foi um contratado meu no gabinete do Guilherme.
Mas ele era contratado do escritório?
Eu acho que ele trabalhava para o Guilherme, recebia do Guilherme.
Não era um funcionário pago por ele deslocado exclusivamente para a senhora?
Não. Tanto que atendia a família do Guilherme, a esposa, filha. Não trabalhava exclusivamente para mim. Tanto que logo depois que eu reassumi o mandato, passada a campanha eleitoral, eu reestruturei meu escritório e não precisei mais utilizá-lo.
E o Zeno?
É um dirigente partidário, filiado há longa data ao PT. Tive oportunidade de trabalhar com ele no diretório do partido. Eu fui presidente e ele foi secretário de organização. Depois, quando assumi a Casa Civil, a gente perdeu contato. Aliás, eu me afastei muito da política. Minha função no ministério não era essa e eu tinha um compromisso com a presidente Dilma. Eu não tive mais contato, nem sabia que ele estava trabalhando ou tinha contato com o escritório do Guilherme. Acredito que a relação política com o Guilherme ele tem, porque o Guilherme é e foi advogado do PT contratado. Eu conheço o Guilherme há muito tempo, muito antes de ele ser advogado de campanha. O Guilherme é filho de uma professora amiga nossa, petista, e desde jovem ele era muito ativo no partido, gostava da militância. Depois ele se formou e virou advogado eleitoral. Tanto que ele virou referência nessa área. Atendeu minha campanha, atendeu a campanha de outros filiados ao PT e de outros candidatos de outros partidos. Sempre acompanhou a nossa militância política. Mas eu desconhecia completamente que o Guilherme tinha um contrato com Consist. Aliás, não sei com quem ele tem contrato. Nunca pedi nada a ele. Nunca pedi recurso e ele também nunca me ofereceu. Só fez o meu trabalho eleitoral.
Ele foi seu advogado apenas nas campanhas de 2008, 2010 e 2014?
Em 2014 ele atuou mais com os candidatos às eleições proporcionais. Quem me atendeu foi o doutor Luiz Fernando Pereira. Nas outras, sim.
Os honorários eram pagos como?
Pela campanha. Eu fiz a pré-campanha no ano passado, por exemplo, e quem pagou o doutor Luiz Fernando nesse período foi o PT. Depois, foi a campanha. Com o Guilherme, a mesma coisa. Nós estamos devendo para o Guilherme ainda. Quando termina a campanha, as dívidas passam para o PT. Então agora o PT que vai ter que acertar com ele.
Ele foi contratado para outros processos?
Ele nunca me representou em causas. Esteve junto com o Paulo Bernardo em alguma ação, não me lembro contra quem, por injúria e difamação. Comigo só foram campanhas eleitorais.
Essa relação entre ele e a Consist a sra. desconhecia completamente?
Desconhecia. Nem sabia que a Consist tinha qualquer relação, mesmo que indiretamente, com o Ministério do Planejamento. Também nunca soube de qualquer ligação desse gênero com o Guilherme.
Como a sra. vai reagir?
Agora tem que esperar chegar ao STF. Saber qual é a decisão do ministro Teori Zavascki, se ele vai aprovar o apensamento ou desdobramento da ação. Aí vamos entrar com as petições. Obviamente, vou me defender, ter acesso a todos os documentos que estão lá. Assim como fiz na outra [acusação que gerou investigação, sobre recebimento de R$ 1 milhão desviado pela Petrobras para a campanha de 2010]. Que, aliás, já está sendo finalizada. Todo mundo já foi ouvido no meu processo.
Na terça-feira (25) também houve a acareação entre Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef sobre essas acusações na CPI da Petrobras.
Houve. O que é interessante é que eles falam a mesma coisa, mas qual é o problema que aconteceu na divulgação da acareação? É que a versão que fica é que ambos concordam que entregaram o dinheiro. Quando você conversa melhor com eles, o Paulo Roberto diz que quem pediu dinheiro foi o Yousssef. E o Youssef diz que foi o Paulo Roberto. Há uma contradição e essa contradição não fica pública, as pessoas não veem isso. Mas ela é fundamental. Assim como não se sabe, formalmente, quem foi o entregador e a quem foi entregue. Essas contradições estão todas muito claras no processo. Foram ouvidos todos os empresários que contribuíram para a minha campanha, foi levantado sigilo telefônico, tudo. E não apareceu absolutamente nada. Resta saber como vai ser finalizada.
Ambas as acusações citam o ministro Paulo Bernardo. O que ele diz sobre isso?
Ele não sabia do contrato da Consist com as associações [de bancos, que faziam os empréstimos consignados para funcionários públicos]. Ele tinha conhecimento do convênio do ministério com as associações, mas não das associações com a Consist. Tanto que o então secretário de Recursos Humanos do ministério se reportou a ele sobre o convênio. Também não sabia da relação entre Consist e o Guilherme.
A sra. não acha que o que a prejudica é esse contexto entre um ministério que era comandado por seu marido e um advogado que a defendeu em campanhas?
As pessoas ficam olhando e veem: um era ministro e marido, o outro era advogado, como que pode não ter envolvimento? Na realidade, com certeza, é uma situação que prejudica. O que eu tenho dito é que não sabia, não tinha envolvimento. O Guilherme, além de ser advogado que atua no Paraná, atua nacionalmente, tem suas relações. Não pode ser colocado na minha conta, na conta do Paulo, os contratos que ele fez. Eu quero esclarecer tudo. Com essa petição eu fiquei convicta de que tinha que falar publicamente sobre isso. A petição foi muito avassaladora. Na verdade, já remete ao STF uma condenação, uma sentença. Ele [Moro] não poderia nem me ouvir, mas eu acho só que ele não tinha que externar tudo o que ele externou ali de forma descontextualizada. Tinha que dizer: tinha envolvimento do nome da senadora e remeter ao STF para fazer a investigação. A forma como as investigações foram dadas, levam a um determinado entendimento. Quem lê o documento, tem quase certeza que eu recebi dinheiro do Guilherme. E eu não recebi nada dele.
O que a sra. diz é que tem relação com todas as pessoas mencionadas, mas não com o dinheiro, é isso?
Não tenho relação nenhuma com esse dinheiro, muito menos com a Consist.
Como avalia o impacto político disso tudo?
Muito ruim. Porque não é uma coisa que afeta só a mim. Afeta meus companheiros de caminhada política, meus funcionários, parentes, amigos, filhos. Minha mãe mora no mesmo lugar há 50 anos. É uma pessoa simples, anda de ônibus, é cabeleireira de bairro. Esses dias ela me falou: minha filha, me perguntam se eu estou com uma parte do R$ 1 milhão que você pegou. Então, olha como as coisas chegam na ponta. É uma coisa maluca. Isso tem impacto na vida das pessoas, é muito ruim. Eu quero esclarecer isso. É lógico que o meu esclarecimento na tribuna tem muito menos efeito do que tudo o que já saiu na mídia. Mas eu tenho que usar o espaço que tenho para fazer isso.
Pelo peso do despacho, que a sra. mesmo reconhece, há margem para uma defesa jurídica que reverta a situação?
Com certeza. Até porque, na realidade a forma como foi encaminhada a petição não é esclarecedora dos fatos em si. Se fosse assim, tinha que trazer todos os fatos, inclusive o depoimento do Guilherme, que esclarece muitas coisas. Não tinha nada de esclarecimento da minha parte. Só tinha uma parte.
O que a sra. pretende fazer, além do discurso em plenário, como defesa pública?
Primeiro, sempre esclarecer, quando possível, sobre isso. Sempre disse que tenho a consciência muito tranquila. Posso garantir que tudo que tenho de bens é compatível com meus ganhos, não tenho problema nenhum quanto a sigilo, continuo levando a mesma vida que levava antes. Trabalho bastante, me dedico ao mandato e não mudei minha forte de atuação. E vou ter que atuar no plano jurídico, não vejo saída. As coisas só vão retornar ao lugar quando acabar o processo e a gente tiver uma sentença que mostre que não existia a realidade que foi narrada.
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