Uma das mais aguerridas defensoras da presidente da República Dilma Rousseff, a ex-ministra-chefe da Casa Civil e senadora pelo Paraná Gleisi Hoffmann (PT) reconhece que o afastamento da cadeira máxima do Executivo é esperado. Apesar disso, insiste que não se trata de “final de mandato” e que “o conteúdo do impeachment” continuará no debate e “certamente pode ser levado ao Judiciário”. Por fim, a paranaense admite que, se houver a “imposição de um governo ilegítimo”, a melhor saída é a antecipação das eleições gerais. Veja trechos da entrevista, concedida no Senado, nesta terça-feira (10):
O parecer pela admissibilidade do processo de impeachment contra a presidente Dilma deve ser aprovado nesta quarta-feira (11), considerando os votos já declarados por senadores. Como é que o PT vai agir a partir daí, a partir do afastamento da presidente Dilma?
O PT vai continuar firme na defesa da presidenta Dilma. Nós temos uma segunda fase do processo, que é o julgamento do mérito da acusação. Nós vamos insistir e mostrar que não há crime de responsabilidade, não há base constitucional para levá-la ao impeachment. Tenho repetido que isso está parecendo aplicação de uma pena de morte para um delito de trânsito. Nós vamos continuar discutindo e defendo a presidenta Dilma e, principalmente, o legado do governo que nós construímos nos últimos 13 anos.
E em relação ao governo interino de Temer? Como vocês vão votar sobre as propostas para área econômica, por exemplo?
Nós somos totalmente contra as mudanças que eles estão propondo na área econômica, como retirar direito de trabalhadores, flexibilizar receitas no orçamento, desvinculando saúde e educação. Vamos fazer oposição sistemática e denunciar à sociedade. Não é possível que as conquistas que nós tivemos, tendo recursos dirigidos para a saúde e educação, voltem atrás agora. Nós vamos ser sistematicamente contrários.
E se ele propor a volta da CPMF, como o próprio governo Dilma defendeu?
Depende. Se for para recursos da saúde, a gente vai apoiar. Mas não adianta ele colocar CPMF para saúde e desvincular os recursos da saúde. Aí não.
A oposição já coloca o afastamento temporário da presidente Dilma como fim de mandato. O que vocês esperam que aconteça até o julgamento final para que o cenário seja outro?
Para nós não representa final de mandato. A gente vem denunciando desde o início os vícios e a violência desse processo, a inexistência de crime de responsabilidade. E eu espero que agora, nesta segunda fase, em que os debates têm um período mais longo para acontecerem, a gente tenha tempo para comprovar isso. Só nestas duas semanas que nós tivemos um debate aqui no Senado, na comissão especial do impeachment, a gente já conseguiu pautar muito o conteúdo do impeachment. E começou a mudar a opinião pública. Nem a população e nem a opinião pública sabiam qual era denúncia contra a presidenta Dilma. Acho que aqui no Senado nós conseguimos levar para a opinião pública e para setores importantes da sociedade o que estava em jogo.
Na Câmara Federal, o governo Dilma ficou hoje com uma base aliada de cerca de 100 parlamentares, somando PT, PCdoB, PDT e Psol. O próprio processo de impeachment não inviabilizou o governo Dilma?
Ter maioria não é condição de governabilidade. O presidente Obama, por exemplo, governou seus dois primeiros anos sem maioria no Senado e os dois últimos sem maioria na Câmara. Ele foi fazendo composição de acordo com as matérias, o que, na verdade, é o que o governo Dilma tem feito aqui. As negociações se deram matéria a matéria.
Na bancada do Paraná na Câmara Federal, os deputados federais Sergio Souza (PMDB), que já foi suplente da senhora, João Arruda (PMDB), que pertence ao grupo de Requião, Toninho Wandscheer (Pros), que já foi do PT, Christiane Yared (PR), que recebeu apoio da senhora e da presidente Dilma na campanha eleitoral, todos votaram a favor da admissibilidade do impeachment. Surpreendeu?
Eu lamentei. Porque ficaram muito vulneráveis à pressão da opinião pública. E nem sempre a opinião pública tem razão. Porque muitas vezes as pessoas desconhecem o que está por trás desses processos. O pessoal diz assim “a maioria quer”. Mas, e eu até brinquei com o Toninho e com a Christiane Yared [PR-PR], que são muito religiosos, que a maioria também quis a condenação de Cristo. Ou a maioria apoiou Hitler. Então não é por aí. Eu acho que a gente tem que tentar esclarecer a opinião pública. Mas eu respeito. Eu só lamento que eles, em seus votos, com exceção da Yared, também não tenham apontado os problemas do governo do Paraná. Porque, guardadas as proporções, do ponto de vista orçamentário são piores do que da presidente Dilma e do envolvimento em denúncias também são maiores. Mas o que eu posso fazer? Só lamentar.
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Os movimentos sociais e pessoas que estão indo para as ruas contra o impeachment foram praticamente unânimes em não defender o conteúdo do governo Dilma. Quer dizer, são contra o impeachment, mas também não apoiam o governo Dilma. Que avaliação a senhora faz disso?
Mesmo aqui dentro do parlamento tem gente que se coloca como oposição, não apoia a política econômica, tem críticas ao comportamento da presidente Dilma, e nem por isso acham que ela tem que sofrer um impeachment. Acham que essas questões tem que ser levantadas no momento eleitoral. O debate se dá nas eleições. É assim que funciona o regime presidencialista e a democracia. Acho importante as pessoas se manifestarem para dizer “apesar de sermos contra o governo, não somos a favor do golpe”.
Mas o fato de as pessoas de modo geral não defenderem o próprio governo Dilma não incomoda, não representa um fracasso da gestão?
Nós defendemos o governo Dilma também aqui. O problema é que a questão do golpe tomou uma dimensão grande e nós temos que atacar isso. Eles quererem flexibilizar a Constituição Federal, tirar o poder do voto popular, usar o impeachment erroneamente.
Depois da votação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, a presidente Dilma passou a acenar para os movimentos sociais, de esquerda, que foram para a rua contra o impeachment. Se ela não sofrer o impeachment, a linha do governo será revista?
Eu penso que o governo tem que seguir a linha da eleição de 2014. Tiveram algumas críticas a posicionamentos do governo Dilma, mas acho que muitas coisas foram corrigidas. E algumas medidas que ela já mandou para o Congresso Nacional foram definidas neste sentido.
No segundo mandato, a presidente Dilma iniciou com o apoio de quase 350 dos 513 deputados federais, ou seja, o “núcleo duro” da oposição, PSDB, PPS, DEM e SD, é minoria. O que aconteceu para ela perder o PMDB e todo o “centrão”?
Desde o início do segundo mandato, nós temos um processo sistemático de questionamento do governo Dilma, seja pela oposição, seja por setores de mídia, seja por setores empresariais, descontentes com as medidas que ela estava tomando. A oposição foi carro-chefe nisso. Pediu a recontagem de votos, depois entrou com processo na Justiça Eleitoral, depois quis e articulou a derrota no parecer sobre as contas de 2014, e no fim foi a grande articuladora do processo de impeachment. Quem entrou com a denúncia é filiado ao PSDB. E foi muito ruim. Não deram tempo para a presidente Dilma governar.
Mas como é que a oposição “puxou” o restante dos partidos políticos?
O fato de o presidente afastado da Câmara [Eduardo Cunha, do PMDB] ter assumido uma posição de oposicionista. Ele não é do PSDB, mas, desde a eleição dele, ele se declarou oposição à presidenta Dilma, e ele domina cerca de 200 votos na Câmara Federal, por vários motivos, e se reuniu com a oposição para fazer o ataque sistemático.
O PT tem repetido que não há crime de responsabilidade e que, por isso, o processo de impeachment é nulo. Por que o argumento ainda não foi levado para o Supremo Tribunal Federal?
Nós estamos esperando esgotar o processo aqui no Congresso Nacional. O STF já disse que, em termos de processo, cabe à Câmara e ao Senado definirem. Nós achamos que se levar isso [o mérito do pedido de impeachment] antes de se ter a decisão da admissibilidade pelo Senado, achamos que não lograríamos êxito. Agora, já vamos pensar em um recurso judicial contra o objeto do pedido de impeachment.
Seguindo nesta linha, na tese do golpe, algo que o próprio MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] coloca é que a possibilidade de antecipação das eleições, defendida por parte dos aliados, serviria para “legalizar o golpe”. A senhora vê assim também?
Eu não vejo como o voto popular pode ser golpe. Acho que o voto popular legitima todo o processo. Se realmente ficar deslegitimado o governo, tem que ser o povo a escolher nosso governante. Conquistamos as “Diretas Já” às duras penas. E nossa democracia é muito novinha para a gente prescindir do poder popular, do poder do voto.
A senhora defende, então, a antecipação da eleição?
Eu estou defendendo o mandato da presidenta Dilma, que tem 54 milhões de votos. O processo não tem base constitucional, não tem crime de responsabilidade para um impeachment. Agora, é claro, se conseguirem afastar a presidente Dilma, impondo um governo que não seja legítimo, eu acho que a saída é sim a legitimidade pelo voto popular, com uma nova eleição.
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