Um golpe de estado colocando risco à democracia? O fim de uma era de corrupção no país? Presidente com direito de defesa cerceado? O governo levou a economia ao caos?
Esses argumentos usados atualmente pelos deputados para defender ou rechaçar o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) já eram usados na tribuna no dia 29 de setembro de 1992, quando a Câmara aprovou o impeachment de Fernando Collor.
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Os poucos deputados que defenderam Collor em 1992 criticaram a condução do processo, e alegaram que sua queda era motivada por interesses políticos dos adversários.
“É natural que um presidente que tem a coragem de cortar fundo em busca de reformas fere de morte interesses, privilégios e corporações. E esses interesses, articulados, e muito bem articulados, começaram a se organizar contra o Presidente da República”, declarou, por exemplo, o então líder do governo Humberto Souto (PFL-MG).
A narrativa do golpe era evocada constantemente por seus defensores, assim como o temor do efeito que o impeachment teria na democracia. “Isso nada mais é do que um golpe pela tomada ao poder, que parte de quem não teve competência para ganhar na urna e não se curvou diante da decisão maior em 1989”, declarou Ronaldo Caiado (PFL-GO), hoje senador pelo DEM e ferrenho defensor do impeachment de Dilma.
Deputados acusaram seus colegas de julgarem Collor sem direito a defesa. “Para se julgar o presidente da República do nosso país não se pediram provas, não se permitiu defesa. É um rito sumário, com a alegação de que à Câmara não compete julgar, mas avaliar”, declarou José Lourenço (PDS-BA).
Até mesmo a questão do risco à democracia chegou a ser levantado por Lourenço. “Jamais se atentou contra um presidente para depô-lo com a força e a violência como que se está fazendo agora. Façam-no, e a história os julgará. E nós aqui estaremos para cobrar pelos erros que porventura tenham cometido.”
Crítica ao governo
Dilma é acusada de crime de responsabilidade pelas pedaladas fiscais; Collor, por corrupção. Ainda assim, em 1992 e em 2016, sobram críticas à política econômica do governo nas tribunas.
Signatário do impeachment de Dilma, Bicudo votou pelo afastamento de Collor em 1992
Um dos três signatários do impeachment da presidente Dilma Rousseff, Hélio Bicudo era deputado federal quando o impeachment de Fernando Collor foi votado. Então filiado ao PT, ele discursou durante a sessão do dia 29 de setembro – na qual a Câmara aprovou a admissibilidade do relatório do impeachment. Na ocasião, ele votou a favor do impeachment.
No seu discurso, ele lembrou que o partido havia dito a todos sobre a natureza de Collor, mas não foi ouvido. Disse, ainda, citando Rui Barbosa, que o Brasil não era a corrupção dos políticos, mas uma “multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se vende”. Ele disse, ainda, que Collor mentiu ao se portar como caçador de marajás sendo que “era e é o protótipo do marajá”.
“Um dos líderes do governo afirmava daquela tribuna que estaria ocorrendo um linchamento do presidente da República. Nós afirmamos que houve, sim, linchamento, mas dos poupadores, quando foram confiscadas as cadernetas de poupança”, criticou Marcelo Barbieri (PMDB-SP).
A crítica ao projeto econômico e político de Collor partiu, também, de José Dirceu (PT-SP). “Acredito que o afastamento do Presidente Collor seja o começo do fim de um projeto político das elites brasileiras, projeto que levaria o Brasil a uma tragédia sem precedentes”, declarou. “E um projeto irresponsável do ponto de vista econômico, insensível do ponto de vista social e inviável do ponto de vista político.”
Já Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA) criticou a oposição por julgar Collor por suas políticas de governo, e não com base no processo – citando as políticas de modernização e privatização como sendo contra o interesse de grupos políticos. “Na minha opinião, o Presidente da República está sendo vítima também dos seus acertos”, disse.
“Bye, bye, Fernandinho!”
Em alguns momentos, críticos do governo apelaram para o humor – assim como, em 2016, parlamentares posaram para uma foto com um cartaz com os dizeres “tchau, querida” para ironizar Dilma. Um deles, curiosamente, foi Jaques Wagner (PT-BA), hoje ministro da Secretaria de Governo.
“Tenho a convicção de que se iniciará um bonito carnaval de cidadania nas ruas do nosso país, anunciando um Brasil que está nascendo, verdadeiramente novo porque construído com a sociedade, os parlamentares e as organizações da sociedade civil, no meio da rua, dizendo: ‘Fora Collor! Bye, Bye Fernandinho’”, disse.
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Ao contrário do impeachment de Dilma, no qual a margem de votação deve ser apertada para um lado ou para o outro, Collor teve uma votação pífia no Congresso: apenas 38 deputados votaram contra, e outros 23 faltaram à sessão. Entretanto, ficar do lado perdedor não significou o fim da carreira política para esses deputados. Alguns dos defensores de Collor ganharam destaque na política nacional nos anos seguintes.
O principal é Magalhães, neto de Antônio Carlos Magalhães. No governo Fernando Henrique, ele se aproximou do presidente e se tornou um aliado essencial na Câmara Federal. Ele chegou à presidência do parlamento em 1995. O deputado era especulado como sucessor de Fernando Henrique, mas foi vítima de um ataque cardíaco em 1998.
Outros não chegaram tão longe, mas tiveram carreiras longas e significativas no Congresso. Um dos exemplos é Caiado, que se reelegeu deputado quatro vezes e hoje é senador. Outro é o paranaense Abelardo Lupion (PFL-PR), cinco vezes reeleito deputado e hoje presidente da Cohapar.
Um nome conhecido na chamada tropa de choque de Collor era Roberto Jefferson (PTB-RJ), que ganhou notoriedade ao denunciar o mensalão – do qual foi beneficiário. Ele foi deputado até 2005, quando renunciou ao mandato. Posteriormente, foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
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