Vista do Centro Cívico: TJ (prédio à dir.) é responsável pela guarda dos depósitos judiciais, mas o Palácio Iguaçu (no fundo) pode ter acesso à verba de natureza tributária| Foto: Antônio More/ Gazeta do Povo

OAB e TJ contradizem versão do estado sobre precatórios

A Comissão de Precatórios da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) e o Tribunal de Justiça (TJ) desmentiram informação do governo do estado de que teria destinado R$ 80 milhões para o pagamento de precatórios referentes a dezembro e janeiro com parte da verba sacada dos depósitos judiciais tributários. Precatórios são dívidas do poder público definitivamente reconhecidas pela Justiça.

Por lei, os quase R$ 154 milhões aos quais o Executivo diz ter tido acesso só poderiam ser usados para pagar precatórios e a dívida consolidada do estado. Segundo a Caixa Econômica Federal, o repasse do montante ao governo foi feito em 23 de dezembro. Com os recursos em mãos, a administração estadual alega ter pago justamente essas duas rubricas, sendo que R$ 80 milhões teriam sido repassados ao TJ para o pagamento de precatórios, relativos às parcelas de dezembro e janeiro. Isso teria sido feito para cumprir a Emenda Constitucional n.º 62, de 2009, na qual o Paraná optou por repassar mensalmente 2% da sua receita – R$ 40 milhões – para pagar precatórios.

A OAB-PR, porém, afirma que o repasse de dezembro só foi feito anteontem no fim da tarde – justamente momentos depois de a Gazeta do Povo questionar o governo sobre o assunto. A parcela vencia em 31 de dezembro e o Executivo tinha recursos para pagá-la desde 23 de dezembro.

Já o TJ diz em nota que o Judiciário recebeu o repasse de uma parcela, no valor de R$ 41,2 milhões. Fontes ouvidas pela reportagem garantem que o recurso dos depósitos judiciais teria sido usado, na verdade, para garantir o pagamento da folha do funcionalismo de dezembro (R$ 1,2 bilhão), que ocorreu no dia 30. Já a parcela de janeiro dos precatórios, que continuaria em aberto, só vencerá no próximo dia 31.

"O governo tem atrasado o repasse dos 2%. Sem contar que, ao depositar a parcela com mais de 20 dias de atraso, não paga os juros correspondentes", diz o advogado Emerson Fukushima, presidente da Comissão de Precatórios da OAB-PR. O governo nega as informações.

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Acusado de sacar indevidamente depósitos judiciais de terceiros, o governo do Paraná atribuiu ontem os supostos erros que teriam sido cometidos à Caixa Econômica Federal (CEF) e aos próprios advogados que representam clientes com recursos alocados nesse tipo de conta. Em nota oficial, o Executivo afirmou que "a identificação da natureza dos depósitos, se tributários ou não, é realizada pelo advogado e pela instituição financeira no momento do depósito". Extraoficialmente, integrantes do Executivo admitem que o governo pode ter tido acesso a depósitos judiciais não tributários que não lhe cabia. "Não dá para dizer com 100% de certeza que não teve erro", disse uma das fontes do governo ouvidas pela reportagem.

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Em seu pronunciamento oficial, o governo admitiu também que pode devolver os valores que eventualmente tenha sacado indevidamente. Na nota, o governo menciona que isso seria feito com recursos do Fundo de Reserva – criado com 60% dos depósitos judiciais tributários (aos quais o Executivo estadual pode ter acesso parcial; o estado só não pode sacar os depósitos não tributários).

O mesmo entendimento aparece em nota divulgada ontem pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que é o responsável pela guarda dos depósitos, feitos em conta da Caixa. "Na hipótese de ter ocorrido eventual equívoco com relação aos depósitos judiciais de natureza não tributária, o estado do Paraná tem o prazo de 48 horas para fazer a restituição do respectivo valor", diz o informe do TJ.

Problemas

Fontes do governo ouvidas pela Gazeta do Povo dizem que o controle de fluxo dos depósitos na Caixa tem sido problemático desde o início do contrato. Segundo essas fontes, as complicações no controle dos recursos existem desde que houve mudança no banco responsável pela administração dos depósitos judiciais. A operação era feita anteriormente pelo Banco do Brasil. "É o banco que deve identificar os depósitos. Com a Caixa, essa situação se mostrou difícil desde o começo. O banco alegava que o advogado nem sempre informava corretamente e que, portanto, não tinha certeza do que era informado", afirmou uma das fontes.

A própria Procuradoria-Geral do Estado (PGE) teria alertado a Caixa sobre problemas na gestão da verba. A PGE estaria, inclusive, fazendo um levantamento próprio sobre a natureza dos depósitos judiciais, se tributários ou não tributários.

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A assessoria da Caixa manteve ontem o posicionamento de que a instituição faz apenas a execução das transferências definidas pelo governo do estado e pelo TJ. "O parágrafo primeiro da cláusula segunda ]do contrato] determina que a Caixa realize as transferências de acordo com a relação de contas apresentada pelo Governo do Estado/Secretaria da Fazenda, e homologada pelo TJ-PR, ficando a Caixa isenta de qualquer responsabilidade por eventuais inconsistências contidas na referida relação", diz a Caixa em nota.

O que são

Depósitos judiciais são recursos depositados sob juízo pelas partes envolvidas em uma disputa judicial – que pode envolver tributos ou não. Esse dinheiro, relacionado à causa em questão, fica sob a guarda do Poder Judiciário até uma sentença final, quando a parte vencedora, então, retira o valor.

Em novembro de 2013, a Assembleia Legislativa aprovou uma legislação regulamentando o acesso do governo a parte dos depósitos judiciais de natureza tributária, conforme determina a Lei Federal 11.429/2006, que estabelece a regra para a utilização dos recursos pela União, estados e municípios. A utilização dos recursos de depósitos judiciais não tributários, no entanto, não é permitida pela legislação.

Reunião discute hoje o caso

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A diretoria da seccional Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) reúne-se hoje com representantes do TJ para discutir o caso. De acordo com a OAB-PR, ontem mais advogados relataram casos de saques em contas de depósitos judiciais não tributários. A Ordem já havia enviado ofício pedindo explicações à Caixa e ontem encaminhou um pedido de informações à Secretaria Estadual da Fazenda.