Acabou o equilibrismo ideológico no Paraná. Pelos próximos quatro anos, a administração estadual vai girar radicalmente para a esquerda. Está no discurso de posse do governador Roberto Requião (PMDB), realizado anteontem. Dificilmente estará dentro do conceito original de socialismo.
"Somos de esquerda, porque ser de esquerda é ser solidário, fraterno, humano. É ser gente. É ter os olhos, a alma e o coração voltados para as desigualdades e as misérias deste mundo", disse Requião, no discurso de posse.
A visão do governador do que é ser de esquerda está bem distante da prática, segundo o professor do departamento de Filosofia Política da Unicamp, Roberto Romano. "A definição que ele dá é baseada no voluntarismo. Ou seja, o Requião governa a partir da vontade pessoal dele e não dos preceitos do socialismo", explica.
Pelo conceito clássico, o socialismo é um sistema político no qual não existe direito à propriedade privada e os meios de produção ficam exclusivamente nas mãos do Estado. As medidas, em tese, seriam responsáveis pelo fim da desigualdade social e proporcionariam a participação popular na gestão do poder.
"Está claro que o governador não se proclama um revolucionário, que prega o fim do estado capitalista burguês. Aí vemos a combinação do seu ideário ao capitalismo, uma distorção", ressalta Romano. Para ele, a ideologia requianista está muito mais próxima da absolutista, em que o poder está personificado apenas no governante.
O presidente estadual do Partido Socialismo e Liberdade (PSol), Luiz Felipe Bergmann, também vê Requião como um alienígena na esquerda. Bergmann foi candidato ao governo do Paraná no ano passado por uma frente também composta pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e o Partido Comunista do Brasil (PCB). "O socialismo é um modelo de organização em que os trabalhadores têm direito à participação direta. O Requião nunca foi disso. E duvido que será", diz.
Outro exemplo de ambigüidade teórica, segundo ele, está na condução da reforma agrária no Paraná. "No governo Requião aconteceram mais reintegrações de posse de fazendas do que nos últimos quatro anos da gestão Jaime Lerner, que era assumidamente de direita."
Na avaliação de Bergmann, há uma falsa apropriação dos conceitos do socialismo, no que diz respeito à justiça social. "Tanto o presidente (Lula) quanto o governador só fazem isso para parecerem populares. Aliás, é puro populismo."
Há, por outro lado, quem defenda a postura do governador. O cientista político da UFPR, Adriano Codato, aponta Requião como um dos poucos políticos brasileiros que se posicionam claramente contra o neoliberalismo. Outra coerência ideológica seria a conduta contrária às privatizações.
O problema do peemedebista seria a falta de controle de variáveis macroeconômicas que impedem a implantação de um sistema socialista. "Não cabe a um governador alterar diretamente a taxa de câmbio, juro e emprego", afirma Codato. Por outro lado, Requião teria feito o que está ao seu alcance, como impedir a privatização de empresas estatais e do Porto de Paranaguá, assim como combater o pedágio e construir estradas alternativas.
O pecado requianista, segundo Codato, é ter se esquecido de que ser socialista é ser democrata. "Não é só manter o porto nas mãos do Estado. É fazer, por exemplo, com que os estivadores tenham um papel efetivo na sua gestão."
Apesar de não representar o posicionamento do PMDB nacional, reconhecidamente centrista, o discurso de posse motivou muitos correligionários estaduais. "A declaração foi o estabelecimento de claros limites", afirma o deputado estadual Waldyr Pugliesi, um dos peemedebistas mais fervorosos no discurso contra o neoliberalismo.
Na opinião dele, as palavras do governador apontam um retorno às origens do partido, ao Movimento Democrático Brasileiro. Ele, assim como o governador, também foge do conceito original de socialismo. "Ser de esquerda é ser progressista, ser solidário, ser exigente na transformação do Brasil", diz Pugliesi.