Ao mesmo tempo em que alega não ter recursos para repor a inflação nos salários do funcionalismo, o governo do Paraná é o 2.º do Sul e Sudeste que mais destina recursos do orçamento para os outros poderes. A situação se agrava ainda mais diante da decisão política de manter na base de cálculo desses repasses o Fundo de Participação dos Estados (FPE). No primeiro mandato do governador Beto Richa (PSDB), isso representou para o Executivo uma “perda” de quase R$ 1,5 bilhão. “Os poderes do Paraná são ilhas de prosperidade num oceano de dificuldades”, resumiu um nome do alto escalão governamental.
Levantamento da Gazeta do Povo com base no orçamento de 2015 dos sete estados do Sul e do Sudeste mostra que o Paraná fica atrás apenas de Santa Catarina no porcentual de recursos que repassa aos demais poderes – 18,6% contra 19,39%. O índice paranaense chega a ser duas vezes maior que o aplicado pelas quatro principais economias do país: pela ordem, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
O dado reforça a análise feita nos bastidores por integrantes do governo de que os outros poderes vivem uma situação financeira confortável em meio aos gigantescos problemas do Executivo para conseguir pagar fornecedores, manter a folha de pessoal em dia e investir em políticas públicas. Tanto é assim que Assembleia Legislativa (Alep), Tribunal de Contas (TC), Tribunal de Justiça (TJ) e Ministério Público (MP) deram uma ajuda financeira para que o governo conseguisse pagar os servidores nos primeiros meses deste ano.
Fontes do Executivo também confirmam, extraoficialmente, que a cota mensal do orçamento a que cada poder tem direito – o chamado duodécimo – não vem sendo paga integralmente. “Estão repassando apenas o necessário para pagar os funcionários e manter o funcionamento básico”, revela um influente deputado da base aliada.
MP contesta dados
O MP contestou parte dos dados da reportagem. Segundo o MP, levando em consideração a proporção entre orçamento e número de membros, órgão tem a menor arrecadação entre os MPs do Sul do país e do Sudeste, exceto São Paulo. Os outros poderes não se manifestaram.
Além do elevado porcentual do orçamento destinado aos demais poderes, o Executivo sofre com o fato de a cota do FPE recebida da União fazer parte do cálculo para definir o volume dos repasses. A inclusão foi feita a partir da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2011, aprovada pela Assembleia no ano anterior. À época, o mecanismo foi definido num acordo entre o então governador Orlando Pessuti (PMDB), a base aliada na Assembleia, TJ e MP. Judiciário e Legislativo inclusive ameaçaram ir à Justiça se perdessem esses recursos.
Nos últimos dois anos, a gestão Richa tentou retirar o FPE do cálculo. Porém, mais uma vez, enfrentou resistência. Agora, com a LDO de 2016 em tramitação no Legislativo, o assunto novamente voltou à tona como forma de tentar solucionar o impasse do reajuste dos servidores estaduais – o governo oferece 5%, mas o funcionalismo exige a reposição inflacionária dos últimos 12 meses, de 8,17%. Nessa queda de braço, o Executivo abriu mão para os outros poderes de quase R$ 1,5 bilhão nos últimos quatro anos.
A situação, porém, tem chances mínimas de ser revista. Apesar de a Fazenda estadual enxergar a retirada do FPE do cálculo como uma saída viável, deputados governistas já mataram a ideia na casca por medo de retaliação do Poder Judiciário.
Para analistas, debate sobre divisão do orçamento é inevitável
- Assinatura Agência
Se depender dos deputados estaduais, a renegociação dos valores repassados aos outros poderes e a desvinculação do Fundo de Participação dos Estados (FPE) do cálculo dificilmente irão para frente. A pressão exercida pelas instituições seria o fator preponderante para a discussão não prosperar.
Parlamentares ouvidos sob a condição de sigilo relatam que a retaliação maior viria do Judiciário. “Você pode brigar com imprensa, prefeitos, vereadores, mas nunca brigue com o Judiciário. São eles que têm a caneta e podem te ferrar”, disse um deputado.
Cientista político da UFPR, Fabrício Tomio reconhece a pressão exercida para enterrar o debate, mas diz que a discussão será “inevitável” caso a crise financeira no estado se prolongue pelos próximos anos. “A ideia de que os poderes não podem ser impactados por restrição orçamentária não me parece aceitável em uma democracia. Se o orçamento está escasso e tiver que reduzir despesas com políticas de saúde, por exemplo, a pergunta é: qual vai ser a prioridade?”, questiona.
Já Elve Cenci, filósofo político da UEL, analisa que a “chiadeira” dos poderes é devido ao comprometimento do orçamento. Em outras palavras, quando o orçamento cresce, os poderes passam a gastar mais, vão “criando novas necessidades”. “Precisamos de uma discussão ampla com a sociedade para analisar a necessidade e a eficácia desses gastos”, aponta.
Precisamos de uma discussão para analisar a necessidade desses gastos [dos demais poderes].
Elve Cenci, filósofo político da UEL.
No Brasil
O aparente exagero na distribuição de verba entre as instituições governamentais é corriqueiro no país, afirma Tomio. Segundo o cientista político, a proporção entre o orçamento dos poderes Legislativo e Judiciário e o PIB, em média, é maior no Brasil do que em todos os outros países da América Latina e da Europa. “Durante o período de crise europeia, a redução de orçamento se impôs, inclusive reduzindo os salários dos juízes”, diz Tomio. Para ele, um dos argumentos que explicam a situação vivida no país é o grau de autonomia dos poderes brasileiros – geralmente bem maior que em outros países. “As instituições desses países não podem definir seus próprios gastos, que são definidos pelo governo ou pelo Parlamento. Aqui, essa autonomia é muito elevada.” (AA)
Proposta de redução dos repasses tem de partir dos demais poderes, diz governo
O governo do Paraná afirma que está “aberto à negociação” com os outros poderes, mas ressalta que a proposta de retirar o Fundo de Participação dos Estados (FPE) da base de cálculo dos repasses não partirá do Executivo. Segundo a Casa Civil, o governo pode participar dos debates, mas apenas se ele for iniciado por deputados ou por iniciativa de algum dos demais poderes estaduais.
Na semana que passou, o assunto chegou a ser tratado durante reunião entre deputados da base aliada do governo Richa e secretários estaduais. A sugestão partiu da APP-Sindicato, que representa os professores da rede estadual. Seria uma maneira de levantar dinheiro para pagar a reposição da inflação à categoria.
No encontro, os representantes do Executivo lembraram que o governo tentou desvincular o FPE dos repasses em duas ocasiões, mas as propostas não foram adiante. Então, se colocaram à disposição dos deputados para participar de uma eventual discussão nesse sentido. (AA)