Vista aérea do Centro Civico, onde estão as sedes dos três poderes estaduais: penúria do governo e fartura nos demais órgãos.| Foto: Antônio More/ Gazeta do Povo

Ao mesmo tempo em que alega não ter recursos para repor a inflação nos salários do funcionalismo, o governo do Paraná é o 2.º do Sul e Sudeste que mais destina recursos do orçamento para os outros poderes. A situação se agrava ainda mais diante da decisão política de manter na base de cálculo desses repasses o Fundo de Participação dos Estados (FPE). No primeiro mandato do governador Beto Richa (PSDB), isso representou para o Executivo uma “perda” de quase R$ 1,5 bilhão. “Os poderes do Paraná são ilhas de prosperidade num oceano de dificuldades”, resumiu um nome do alto escalão governamental.

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Levantamento da Gazeta do Povo com base no orçamento de 2015 dos sete estados do Sul e do Sudeste mostra que o Paraná fica atrás apenas de Santa Catarina no porcentual de recursos que repassa aos demais poderes – 18,6% contra 19,39%. O índice paranaense chega a ser duas vezes maior que o aplicado pelas quatro principais economias do país: pela ordem, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

O dado reforça a análise feita nos bastidores por integrantes do governo de que os outros poderes vivem uma situação financeira confortável em meio aos gigantescos problemas do Executivo para conseguir pagar fornecedores, manter a folha de pessoal em dia e investir em políticas públicas. Tanto é assim que Assembleia Legislativa (Alep), Tribunal de Contas (TC), Tribunal de Justiça (TJ) e Ministério Público (MP) deram uma ajuda financeira para que o governo conseguisse pagar os servidores nos primeiros meses deste ano.

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Fontes do Executivo também confirmam, extraoficialmente, que a cota mensal do orçamento a que cada poder tem direito – o chamado duodécimo – não vem sendo paga integralmente. “Estão repassando apenas o necessário para pagar os funcionários e manter o funcionamento básico”, revela um influente deputado da base aliada.

MP contesta dados

O MP contestou parte dos dados da reportagem. Segundo o MP, levando em consideração a proporção entre orçamento e número de membros, órgão tem a menor arrecadação entre os MPs do Sul do país e do Sudeste, exceto São Paulo. Os outros poderes não se manifestaram.

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Além do elevado porcentual do orçamento destinado aos demais poderes, o Executivo sofre com o fato de a cota do FPE recebida da União fazer parte do cálculo para definir o volume dos repasses. A inclusão foi feita a partir da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2011, aprovada pela Assembleia no ano anterior. À época, o mecanismo foi definido num acordo entre o então governador Orlando Pessuti (PMDB), a base aliada na Assembleia, TJ e MP. Judiciário e Legislativo inclusive ameaçaram ir à Justiça se perdessem esses recursos.

Nos últimos dois anos, a gestão Richa tentou retirar o FPE do cálculo. Porém, mais uma vez, enfrentou resistência. Agora, com a LDO de 2016 em tramitação no Legislativo, o assunto novamente voltou à tona como forma de tentar solucionar o impasse do reajuste dos servidores estaduais – o governo oferece 5%, mas o funcionalismo exige a reposição inflacionária dos últimos 12 meses, de 8,17%. Nessa queda de braço, o Executivo abriu mão para os outros poderes de quase R$ 1,5 bilhão nos últimos quatro anos.

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A situação, porém, tem chances mínimas de ser revista. Apesar de a Fazenda estadual enxergar a retirada do FPE do cálculo como uma saída viável, deputados governistas já mataram a ideia na casca por medo de retaliação do Poder Judiciário.

Para analistas, debate sobre divisão do orçamento é inevitável

Se depender dos deputados estaduais, a renegociação dos valores repassados aos outros poderes e a desvinculação do Fundo de Participação dos Estados (FPE) do cálculo dificilmente irão para frente. A pressão exercida pelas instituições seria o fator preponderante para a discussão não prosperar.

Parlamentares ouvidos sob a condição de sigilo relatam que a retaliação maior viria do Judiciário. “Você pode brigar com imprensa, prefeitos, vereadores, mas nunca brigue com o Judiciário. São eles que têm a caneta e podem te ferrar”, disse um deputado.

Cientista político da UFPR, Fabrício Tomio reconhece a pressão exercida para enterrar o debate, mas diz que a discussão será “inevitável” caso a crise financeira no estado se prolongue pelos próximos anos. “A ideia de que os poderes não podem ser impactados por restrição orçamentária não me parece aceitável em uma democracia. Se o orçamento está escasso e tiver que reduzir despesas com políticas de saúde, por exemplo, a pergunta é: qual vai ser a prioridade?”, questiona.

Já Elve Cenci, filósofo político da UEL, analisa que a “chiadeira” dos poderes é devido ao comprometimento do orçamento. Em outras palavras, quando o orçamento cresce, os poderes passam a gastar mais, vão “criando novas necessidades”. “Precisamos de uma discussão ampla com a sociedade para analisar a necessidade e a eficácia desses gastos”, aponta.

Precisamos de uma discussão para analisar a necessidade desses gastos [dos demais poderes].

Elve Cenci, filósofo político da UEL.

No Brasil

O aparente exagero na distribuição de verba entre as instituições governamentais é corriqueiro no país, afirma Tomio. Segundo o cientista político, a proporção entre o orçamento dos poderes Legislativo e Judiciário e o PIB, em média, é maior no Brasil do que em todos os outros países da América Latina e da Europa. “Durante o período de crise europeia, a redução de orçamento se impôs, inclusive reduzindo os salários dos juízes”, diz Tomio. Para ele, um dos argumentos que explicam a situação vivida no país é o grau de autonomia dos poderes brasileiros – geralmente bem maior que em outros países. “As instituições desses países não podem definir seus próprios gastos, que são definidos pelo governo ou pelo Parlamento. Aqui, essa autonomia é muito elevada.” (AA)

Proposta de redução dos repasses tem de partir dos demais poderes, diz governo

O governo do Paraná afirma que está “aberto à negociação” com os outros poderes, mas ressalta que a proposta de retirar o Fundo de Participação dos Estados (FPE) da base de cálculo dos repasses não partirá do Executivo. Segundo a Casa Civil, o governo pode participar dos debates, mas apenas se ele for iniciado por deputados ou por iniciativa de algum dos demais poderes estaduais.

Na semana que passou, o assunto chegou a ser tratado durante reunião entre deputados da base aliada do governo Richa e secretários estaduais. A sugestão partiu da APP-Sindicato, que representa os professores da rede estadual. Seria uma maneira de levantar dinheiro para pagar a reposição da inflação à categoria.

No encontro, os representantes do Executivo lembraram que o governo tentou desvincular o FPE dos repasses em duas ocasiões, mas as propostas não foram adiante. Então, se colocaram à disposição dos deputados para participar de uma eventual discussão nesse sentido. (AA)