Em sua delação premiada firmada com a força-tarefa da Lava Jato, o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), condenado pelo juiz Sergio Moro a 20 anos e três meses de prisão enquanto ainda cumpria sua pena no mensalão, relatou um episódio polêmico do Congresso durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB/1994-2002): a compra de votos de deputados para apoiar a emenda da reeleição de presidentes, governadores e prefeitos, em 1997. Corrêa, que admitiu ter se envolvido em crimes desde seu primeiro mandato parlamentar, em 1978, pela extinta Arena, afirmou aos investigadores que o episódio envolvendo o governo FHC “foi um dos momentos mais espúrios” que ele presenciou em todos os anos de deputado federal.
Segundo o delator, houve uma disputa de propinas para aprovar a emenda da reeleição, proposta por FHC. Pedro Corrêa disse que estavam em lados opostos o governo Fernando Henrique e o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), que na época havia acabado de deixar a prefeitura de São Paulo com alta aprovação e com sua candidatura à Presidência da República cogitada.
Compra de votos
O delator da Lava Jato relatou que, por parte do governo federal, a iniciativa da reeleição foi liderada pelo então ministro das Comunicações Sérgio Motta (morto em 1998) e pelo então presidente da Câmara Luis Eduardo Magalhães (também morto em 1998 e na época do PFL), com o apoio do deputado Pauderney Avelino (atualmente líder do DEM na Câmara) , dos então governadores Amazonino Mendes (PFL-AM) e Olair Cameli (PFL-AC) “entre outras lideranças governistas”.
De acordo com Pedro Corrêa, essas lideranças “compraram os votos para a reeleição de mais de 50 deputados”. O delator, contudo, estava do outro lado da “disputa”. “Além dos fatos já narrados, o colaborador também participou desse episódio, mas de forma contrária, tentando alijar com propinas deputados em desfavor da emenda constitucional com recursos do então ex-prefeito da cidade de São Paulo e hoje deputado federal, Paulo Maluf (PP-SP)”, afirmou Pedro Corrêa aos investigadores.
Segundo o ex-deputado, naquela época Maluf – atualmente alvo de dois mandados de prisão internacional por supostamente ter lavado dinheiro no exterior desviado da prefeitura de São Paulo – havia terminado seu mandato na capital paulista com 90% de aprovação e cogitava disputar a Presidência. “Maluf sabia que seu maior concorrente seria o presidente à época, FHC, isso se o governo conseguisse passar a emenda da reeleição”.
Para tanto, relata Corrêa, Maluf convocou ele e os deputados Severino Cavalcanti e Salatiel Carvalho “para se contrapor ao governo e também cooptar, com propina, parlamentares que estivessem se vendendo ao governo FHC”.
Maluf acabou sendo derrotado e o governo conseguiu, em uma votação esmagadora, aprovar a emenda que garantiu a Fernando Henrique – também com alta aprovação popular na época – mais quatro anos de mandato. Em 28 de janeiro daquele ano, a emenda constitucional da reeleição foi aprovada no plenário da Câmara em primeiro turno por 336 votos a favor, 17 contra e seis abstenções.
Na ocasião, a compra de votos foi denunciada em reportagens que revelaram gravações de conversas parlamentares dizendo terem recebido R$ 200 mil para aprovar a medida. Um deles, Ronivon Santiago, admitiu ter recebido a quantia. Oito dias depois, os dois deputados flagrados nas gravações renunciaram ao mandato e o caso foi arquivado pela Procuradoria-Geral da República.
Defesas
Procurado pela reportagem, Fernando Henrique Cardoso disse que Pedro Corrêa apenas repetiu o que foi veiculado pela imprensa na época e que já tratou do assunto em sua biografia lançada recentemente sobre o período em que ocupou a Presidência da República, chamada Diários da Presidência. No livro, ele relata que o episódio foi uma “questão do Congresso”.
Em um dos diários da Presidência ele chega a relatar que foi informado por Luis Eduardo Magalhães que Maluf teria oferecido R$ 1 milhão ao deputado Fernando Brandt (PFL-MG), da comissão da Câmara que analisava a proposta da emenda constitucional da reeleição, para votar contra a medida. No livro, porém ele não cita outros parlamentares nem os detalhes relatados por Pedro Corrêa.
Paulo Maluf afirmou que o ex-presidente tucano é que deve ser ouvido sobre o caso. “O favorecido no episódio foi Fernando Henrique Cardoso com a sua reeleição, e portanto é o FHC que deve ser ouvido”, disse, por meio de sua assessoria.
O líder do DEM, Pauderney Avelino, também se defendeu das acusações: “Rechaço com veemência as referências feitas a mim pelo ex-deputado Pedro Corrêa, autointitulado corrupto. Não responderei aos bandidos e ladrões do dinheiro público”, disse, em nota.
A reportagem entrou em contato e encaminhou e-mail para a assessoria de ACM Neto, da família de Luis Eduardo Magalhães, mas não obteve retorno. Os demais políticos que ainda estão vivos citados na delação não foram encontrados para comentar o caso e o espaço está aberto para a manifestação deles.