Estátua da Justiça em frente a sede do STF, na Praça dos Três Poderes, em Brasília| Foto: Roberto Jaime/Reuters

Polêmica

Entidade propõe que julgamento do mensalão seja nas férias de julho

A Academia Brasileira de Direito Constitucional enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) há duas semanas uma sugestão de que o julgamento do mensalão seja realizado em julho, durante as férias forenses. "É o momento mais adequado para um caso de tanta relevância, talvez o mais aguardado dos últimos anos pela sociedade brasileira", diz o presidente da entidade, Flávio Pansieri.

Em entrevistas recentes, o ministro Carlos Ayres Britto, que assume hoje a presidência do Supremo, admitiu que o caso vai exigir dos ministros uma preparação especial, mas não deixou clara a estratégia que pretende propor aos colegas. O agendamento da sessão depende ainda do término do voto do ministro-revisor, Ricardo Lewandowski. Em dezembro do ano passado, Lewandowski afirmou que algumas das penas possivelmente envolvidas no caso vão estar prescritas antes do desfecho do julgamento. "Acreditamos que, até pelo pouco tempo que terá de gestão, o ministro Ayres Britto vai se comprometer com a realização de um julgamento célere", avalia Pansieri.

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De Ayres Britto

Veja algumas frases do novo presidente do Supremo em julgamentos importantes:

"Candidato vem de cândido, puro, limpo, no sentido ético."

Ao defender a validação da lei da Ficha Limpa.

"Dar à luz é dar à vida, não é dar à morte. É como se fosse uma gravidez que impedisse o rio de ser corrente (...). É um organismo prometido não ao registro civil, mas a uma lápide mortuária."

Ao explicar o voto a favor da interrupção da gravidez de mães de fetos anencéfalos.

"O governante tem o direito de compor livremente seus quadros de governo. O que não pode é indicar parentes para cargos de confiança ou de função gratificada."

Sobre a decisão unânime que proibiu o nepotismo nos Três Poderes.

"Afinal, se as pessoas de preferência heterossexual só podem se realizar ou ser felizes heterossexualmente, as de preferência homossexual seguem na mesma toada: só podem se realizar ou ser felizes homossexualmente."

No voto a favor da união homoafetiva.

A posse do ministro Carlos Ayres Britto na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) marca a partir de hoje a ascensão de um grupo de ministros que estiveram alinhados recentemente na maioria dos julgamentos polêmicos realizados pela corte. Decisivos em casos como a validade da Lei da Ficha Limpa, o quarteto formado por Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia vai se suceder no comando do Poder Judiciário até 2018. Todos seguem uma linha mais moderna de interpretação da Constituição, perfil que divide a opinião de juristas.

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Levantamento feito pela Gazeta do Povo com o resultado de dez grandes decisões do Supremo desde 2008 (veja infográfico acima) mostra que pelo menos três desses quatro ministros votaram juntos em todos esses julgamentos. Já Ayres Britto, Carmen Lúcia e Joaquim Barbosa só não ficaram do mesmo lado na ação que invalidou todos os artigos da Lei de Imprensa, em maio de 2009. Em seis casos todos votaram juntos.

O retrospecto foi fundamental em votações apertadas, como a que liberou as pesquisas com células-tronco embrionárias e a que manteve os poderes de investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ambas tiveram um placar de 6 a 5. Nos dez temas pesquisados, eles só ficaram juntos entre a minoria dos votos em uma ocasião: quando defenderam que a Lei da Ficha Limpa deveria valer para as eleições de 2010. Mas eles "perderam" por 6 a 5, e a norma foi declarada inconstitucional.

Em várias situações, eles foram acusados de extrapolar as atribuições do Supremo e "legislar". Lewandowski, por exemplo, foi o responsável pela redação da súmula vinculante que proibiu o nepotismo em todas as esferas do serviço público. Ayres Britto foi relator da ação que liberou a união estável entre homossexuais e do processo que tratou da demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

"Eu diria que temos hoje dois Supremos: um dos ministros que agem como legisladores positivos, que criam novas normas jurídicas, e outro dos que entendem que o STF só pode atuar como legislador negativo", diz o jurista Ives Gandra Martins. Segundo ele, o quarteto que vai comandar o tribunal pelos próximos seis anos pode ser definido como "neoconstitucionalista". "Não estou dizendo que esses não são competentes, apenas que eles não se encaixam em uma linha clássica de constitucionalismo, a qual eu particularmente entendo como a mais adequada."

Do outro lado, o ex-pre­­­­­­­­sidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcelo Lavenère diz que o STF só tem a ganhar com os próximos presidentes. "Esse conjunto de ministros reflete uma visão mais arejada e oxigenada do Direito. Eles fazem questão de trazer o Judiciário para mais perto da sociedade, o que é excelente para o atual momento da nossa democracia", diz Lavenère, um dos signatários do pedido de impeachment do então presidente da República, Fernando Collor de Mello, em 1992.

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O presidente da Academia Brasileira de Direito Cons­­titucional, Flávio Pansieri, avalia que o comportamento dos quatro ministros é mais "engajado" dentro de um processo de aprimoramento das práticas republicanas. "Eles levam esse conceito para além dos limites da Constituição", afirma Pansieri. Segundo ele, é possível perceber diferenças claras já na comparação entre o atual presidente, Cezar Peluso e Ayres Britto: "O Peluso, por ser magistrado de carreira, é um ministro bem mais reservado, enquanto o Ayres Britto é mais aberto, principalmente à imprensa".