Há 24 anos, o paranaense Alceni Guerra foi um dos personagens da breve gestão do governo Fernando Collor – o último a ser alvo de um processo de impeachment no país.
Então ministro da Saúde e da Criança, era cotado para suceder Collor nas eleições seguintes. Entretanto, uma série de denúncias, a principal delas de irregularidades na compra de bicicletas para agentes de saúde, forçaram sua saída do governo em janeiro de 1992. Mais tarde, foi considerado inocente de todas as acusações.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Alceni, que foi também deputado federal e prefeito de Pato Branco, diz que o clima no país, hoje, é bastante similar àquele de 1992 – com a diferença de que Dilma tem mais apoio político do que Collor.
Ele relembra que foi contra o impeachment na época. “Se estavam acusando o governo de tudo aquilo da mesma maneira que tinham me acusado, sem eu dever nada, poderia haver exagero e inconsequência nas acusações”, diz.
Alceni afirma, ainda, que é favorável ao impeachment de Dilma pelo crime de responsabilidade, mas acredita que o Congresso também deveria ser dissolvido pela quantidade de parlamentares envolvidos em escândalos de corrupção. “Acho que temos que mudar o modelo político do país.”
Ele diz, também, que é preciso dar direito a ampla defesa a todos os acusados, para evitar injustiças como as que aconteceram com ele.
O senhor havia saído recentemente do ministério quando ocorreu o impeachment de Collor. Como estava o clima em Brasília na época?
Era um clima muito parecido com o de hoje. Havia uma reação popular muito forte. Acho que, na época, era ainda mais forte, porque havia menos partidários do presidente Collor na rua do que hoje, com a presidente Dilma. Mas era um clima muito semelhante, insatisfação popular, acusações de corrupção marcando muito. Também, o país tinha uma instabilidade econômica ainda pior do que hoje. Tinha uma inflação muito alta e não havia a recuperação dos anos subsequentes.
Acho que, na época, [o clima político] era ainda mais forte, porque havia menos partidários do presidente Collor na rua do que hoje, com a presidente Dilma.”
Na época o senhor foi contrário ao impeachment?
Fui absolutamente contrário, mas estava fora do governo já. Se estavam acusando o governo de tudo aquilo da mesma maneira que tinham me acusado, sem eu dever nada, poderia haver exagero e inconsequência nas acusações. Então eu tinha de alertar quem eu podia alertar. Mas ele [Collor] teve menos de 50 votos, uma votação pífia. Inclusive meus dois irmãos, que eram deputados federais [Ivânio, pelo Paraná, e Waldir, por Mato Grosso do Sul], votaram a favor do impeachment.
Como ficaram as relações com seus irmãos nessa época?
Faz parte da democracia plena, eles tinham consciência do que estavam fazendo, votaram a favor do impeachment apesar de eu ser contra. Isso não se refletiu em nenhum tipo de inimizade, nem minha com os meus irmãos, nem do presidente, que pediu que eu mandasse um recado a eles dizendo que entendia [o voto contrário].
E hoje? O que o senhor pensa do impeachment da presidente Dilma?
Tenho a mesma opinião que eu tinha antigamente. Havendo crime de responsabilidade, tem que haver impeachment. Mas acho que temos que mudar o modelo político do país, você não pode mais ter esse modelo no qual você não dissolve o Congresso. Tem que tirar o chefe de governo e dissolver o Congresso quando há tantas acusações quanto tem agora.
O senhor foi acusado de corrupção e, posteriormente, absolvido em todas as instâncias. O senhor não teme que haja injustiça nessas acusações?
Eu tenho obrigação de temer isso. Se aconteceu comigo, pode acontecer com qualquer pessoa. Para você ter ideia, fui vítima de 10 mil metros quadrados de matérias de jornais e 104 minutos de televisão somados. Depois, a Polícia Federal, o Tribunal de Contas, o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal disseram que não encontraram sequer uma vírgula errada de tudo o que me acusavam. A gente tem que ter sempre o bom senso de dar a chance de defesa a todo mundo. Quando você tem a mídia contra, você fica pequenino perto da democracia de qualquer país. Mas se você me perguntar se isso abalou minha fé na imprensa, não. A gente tem que olhar a imprensa como um instrumento vital para a democracia.
Tem que tirar o chefe de governo e dissolver o Congresso quando há tantas acusações quanto tem agora.”
Hoje o senhor é filiado ao PSD. O partido avalia uma possível saída do governo. Como o senhor acha que o PSD deve se posicionar sobre esse tema?
O presidente do partido, o [Gilberto] Kassab, liberou a bancada para votar de acordo com sua consciência. Acho isso democrático, uma atitude muito sábia. Temos que ver como os 32 deputados vão agir.
O senhor tem conversado com os deputados? O que eles dizem?
Sim. A esmagadora maioria é a favor do impeachment. Não me atrevo a dizer a totalidade, pois não falei com todos, mas a esmagadora maioria é a favor.