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Ustra preferiu se calar quando foi questionado sobre instrumentos de tortura | Wilson Dias/ABr
Ustra preferiu se calar quando foi questionado sobre instrumentos de tortura| Foto: Wilson Dias/ABr

Quase um ano após ser instalada, a Comissão Nacional da Verdade começou ontem a ouvir os oficiais influentes da ditadura militar. O primeiro a depor foi o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, de 80 anos, reconhecido como torturador por decisão da Justiça. Num depoimento que oscilava entre a ironia, a soberba e o nervosismo, o comandante do temido DOI-Codi, em São Paulo, nos anos 1970, disse que a presidente Dilma Rousseff participou de organizações terroristas e insistiu que perseguidos políticos, torturados e executados nas dependências do órgão, segundo documentos e fotografias amplamente conhecidos, morreram atropelados ou em combates nas ruas.

De óculos escuros e bengala, Ustra chegou ao auditório do Centro Cultural Banco do Brasil, em que a comissão se reunia, por volta de 11h20. Até ali, os membros do grupo não sabiam se ele iria aproveitar liminar que lhe garantiu o direito de ficar em silêncio. O coronel foi logo lendo um depoimento para deixar claro, em síntese, que era uma peça de uma rede de repressão. "Eu não sou assassino", esbravejou. "Apenas cumpri uma missão. Quem deve estar aqui não é o coronel Brilhante Ustra. Quem deve estar aqui é o Exército brasileiro, que assumiu a ordem de combater o terrorismo."

Ustra atacou a ex-perseguida política mais influente hoje no país, a presidente Dilma Rousseff. "Eu cumpri ordens legais. O objetivo dos terroristas era a implantação de uma ditadura do proletariado, do comunismo. Isso está escrito no estatuto de todas as organizações terroristas, inclusive no das quatro que a presidente da República participou", afirmou, sem esconder o nervosismo. "Estou ciente que estamos lutando para preservar a democracia, para isso aqui não virar um Cubão", completou, usando verbos no presente. "Nunca ocultei cadáveres, nunca cometi assassinatos."

O Planalto não comentou a declaração de Ustra. Muitas respostas do coronel causaram risos de ironia na plateia. Ele chegou a afirmar que Frederico Eduardo Mayr, um dos assassinados nas dependências do DOI-Codi, foi atropelado por um caminhão. "Nunca fui repreendido. Recebi os melhores elogios e a mais alta condecoração do Exército em tempos de paz, a medalha do Pacificador, com palma. E mostro aqui com orgulho", afirmou, exibindo um broche na lapela.

A princípio, Ustra disse que ficaria em silêncio. Depois, afirmou que não conseguia se "conter". Quando foram expostos corpos de mortos da ditadura num telão, ele se irritou. Negou conhecer a "cadeira de dragão" – instrumento de tortura – e disse que gostaria de ver cadáveres de militares mortos pela esquerda.

Tensão

No momento mais tenso da reunião, Claudio Fonteles, integrante da comissão, leu dois documentos sobre 45 mortes dentro do DOI-Codi, em São Paulo, no mês de outubro de 1973, e outras 47 em dezembro. "No meu comando, ninguém foi morto dentro do DOI-Codi, mas em combates", afirmou. Fonteles comentou: "Não se exalte". "A mentira me revolta", retrucou Ustra. "Não é mentira", reagiu Fonteles. "Não foram santinhos, anjinhos, foram mortos em combates nas ruas", afirmou o coronel.

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