Um impasse sobre a "neutralidade da rede", jargão utilizado para definir que o acesso a todos os sites precisa ser feito na mesma velocidade, pode adiar mais uma vez a votação do Marco Civil da Internet, prevista para ocorrer nesta semana na Câmara dos Deputados.
O Marco Civil é uma espécie de "Constituição" da rede e fixa princípios gerais, como liberdade de expressão e proteção de dados pessoais.
Como o projeto tramita em regime de urgência, passa a bloquear a pauta de votações da Casa a partir de hoje. Os líderes do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), e do PT, José Guimarães (CE), avaliam que as resistências ao projeto podem dificultar a análise.
Segundo Cunha, é preciso ampliar os debates sobre a neutralidade. Ele não descarta apresentar um texto alternativo para ser votado pelo plenário da Casa.
"É pouco provável que ocorra essa votação. Tem pontos em aberto e se não houver mudança na questão da neutralidade para viabilizar um acordo é difícil votar. Acredito que é melhor deixar essa votação para a próxima semana", afirmou.
Proprietárias de provedores de conexão e empresas de telefonia são contrárias ao texto apresentado pelo relator, Alessandro Molon (PT-RJ), que impede as operadoras de definirem quais tipos de acesso por parte do usuário teriam maior ou menor velocidade dentro dos pacotes de velocidade oferecidos. Pela proposta, as empresas, por exemplo, não poderiam oferecer pacotes só com e-mail, apenas com acesso a redes sociais ou incluindo acesso a vídeos.
"O que precisa ter no marco é uma determinação para não ter discriminação [no serviço]. Esse tem que ser o objetivo, não é obrigar os provedores a terem investimento ilimitado de infraestrutura", disse o líder do PMDB. "É como ter que oferecer uma Mercedes quando o usuário precisa de um Fusca. Tem que ter um serviço mínimo. Se não, vão acabar pagando por quem não usa", completou.
Molon disse que não negocia a neutralidade. "O marco civil não vai proibir a venda de pacotes diferentes para acesso à internet. Vamos continuar tendo a possibilidade de escolher uma banda de 1, 2 ou 10 megas. O marco proíbe, dentro dos 10 megas que eu pago, que a operadora escolha o que eu posso acessar mais rapidamente ou menos rapidamente", disse o petista.
O relator defende a votação mesmo sem consenso. "O projeto já está pronto para ser votado há mais de um ano. Chegou a hora da Câmara decidir de que lado está. Não é possível mais impedir essa votação."
Os líderes da Câmara se reúnem amanhã para discutir a pauta de votações da Casa. Apesar de o texto ter prioridade, pela regras da Câmara, os deputados ainda podem votar antes do marco propostas de emenda à Constituição, medidas provisórias ou reforma de códigos.
O líder do PT afirmou que vai defender a votação do marco, mas admitiu que a falta de um entendimento pode dificultar a discussão. "Não está simples [essa discussão], tem resistência na base e os líderes vão precisar decidir o que fazer", afirmou Guimarães.
Outro entrave apontado é a ideia de obrigar empresas estrangeiras de internet a armazenar dados de usuários brasileiros no país --posição defendida publicamente pela presidente Dilma Rousseff. Segundo representantes de gigantes das redes sociais, a medida é fruto de pressão de empresas de telefonia que possuem unidades de datacenter ociosas.
Elaborado em 2009 pelo Ministério da Justiça, o projeto foi à Câmara em 2011. A votação já foi adiada outras vezes, mas o texto ganhou prioridade para o governo depois das suspeitas de monitoramento dos EUA contra o Brasil. Se aprovado, vai ao Senado.