Se os parlamentares fossem seguir à risca o que está previsto na Constituição Federal e na Lei do Impeachment, a decisão sobre a interrupção ou não do mandato da presidente da República Dilma Rousseff (PT) ficaria atrelada a uma única questão: a petista teve ou não a intenção de cometer crime de responsabilidade? Na prática, contudo, a possibilidade do impeachment envolve outros componentes. No processo em curso, avaliam cientistas políticos consultados pela Gazeta do Povo, a política partidária está ganhando o principal papel.
Elemento rua
Outro elemento que pesa no processo de impeachment – mas, na avaliação dos cientistas políticos, de forma secundária - é a manifestação da população sobre o tema. Eventual pressão das ruas deve servir como um termômetro para os parlamentares. “A rua é um componente do impeachment sim, porque pode interferir no voto do parlamentar, mas depende de sua intensidade e quantidade. Na época do Fernando Collor, por exemplo, em 1992, foram dias ininterruptos de passeatas”, lembra Domingos Costa, ao avaliar que os últimos protestos de domingo (13) a favor do impeachment da presidente Dilma “não ajudaram a oposição”. Para Fleisher, devido à proximidade “das festas de fim de ano”, ainda é cedo para saber se as manifestações de rua vão aumentar ou não. “O apoio popular pesa porque eles (parlamentares) gostam de estarem mais ou menos afinados com a população”, comenta ele.
No Brasil, o vice é um ator interessado no impeachment, o que não ocorre nos EUA, onde o vice é do mesmo partido.
“A questão técnica, jurídica, tem sido a menos preponderante no processo até aqui. O que a gente vê na história recente da política brasileira é o impeachment como um mecanismo de barganha política – a ameaça do impeachment foi colocada durante o ano inteiro de 2015 – e também como um instrumento rotineiro da oposição”, diz o cientista político Luiz Domingos Costa, professor do grupo educacional Uninter, de Curitiba. O “PT também fez isso no passado. A oposição ensinou mal à população com o ‘Fora FHC’ e o ‘Fora Dilma’. Eles ensinaram que governo mal avaliado é governo que deve ser retirado. E não deveria ser assim. A Constituição Federal não pode ser desrespeitada.”
O cientista político David Fleisher, professor na Universidade de Brasília (UnB), diz acreditar que há lastro jurídico para cassar o mandato de Dilma, mas reconhece que o que pesa na balança para o impeachment se concretizar ou não é, “em grande parte”, a questão partidária, especialmente a posição do PMDB, maior partido da coalizão.
“O PMDB é a chave do tesouro. É bastante difícil, mas se a presidente Dilma conseguir desarticular os peemedebistas dissidentes, se ela for bem sucedida nisso, ela pode frear o impeachment. É a única maneira”, avalia Fleisher.
Opinião: Manifestações pelo impeachment – o que esperar?
Leia a matéria completaPara o professor da UnB, se a convenção nacional do PMDB for antecipada para o início do ano que vem, para aprovar a ruptura do partido com o governo federal petista, “seria o começo do fim para o governo de Dilma”, com a saída de Michel Temer (vice-presidente) dos bastidores.
Fleisher afirma que a perspectiva de assumir o poder, especialmente quando não se tem candidato próprio competitivo para 2018, é “uma motivação muito forte”. “Quem não aderir [à defesa do impeachment] será esquecido na composição do novo governo federal. Isso é um elemento de persuasão forte”, afirma ele.
Para Domingos Costa, o PMDB é de fato “o problema-chave” da questão do impeachment. “No Brasil, o próprio vice é um ator interessado no impeachment, o que não ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, onde o vice normalmente é do mesmo partido. Eu acho que o Temer está mesmo minando, trabalhando pelo impeachment. E isto é uma motivação conjuntural. É uma característica muito ruim do nosso processo de impeachment”, analisa o professor.