Com a retomada da discussão do impeachment na Câmara Federal, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, acusa o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de ter agido no processo por vingança. E insiste: não há fato a ser imputado contra a presidente Dilma Rousseff. Também defende o ex-presidente Lula que, segundo ele, é uma vítima dos fatos apurados pela Operação Zelotes. E diz que Lula não é investigado na Operação Lava Jato, análise feita antes que o juiz Sergio Moro autorizasse a abertura de um inquérito só sobre o sítio de Atibaia, frequentado pelo ex-presidente.
Há duas operações, Lava Jato e Zelotes, que parecem caminhar para o objetivo de chegar a Lula. Como vê essa atuação?
Discordo da premissa. O objetivo das operações não é chegar a alguém, é apurar fatos. Não vejo nenhuma comunicação entre as duas operações, lastreadas em situações distintas. No que diz respeito ao ex-presidente Lula, o juiz (Sergio) Moro já disse que o presidente Lula não é investigado na Lava Jato. E não me cabe fazer juízo de valor sobre investigações. No caso da Zelotes, fui informado que o ex-presidente não depôs como investigado. O próprio ofício do delegado divulgado pela imprensa diz: (lê trecho do ofício): “Se houve servidores públicos que foram corrompidos e estariam associados a essa organização criminosa ou se estaria vendendo fumaça, vitimando-os e praticando tráfico de influência com relação aos mesmos”. Ou seja, ou participam ou será que são vítimas? O ofício poderia permitir uma outra ilação: presidente pode ser vítima.
A avaliação do governo é que o impeachment perdeu força. É um assunto superado no Congresso?
Este impeachment foi pedido sem fundamento legal e desencadeado por uma vingança do presidente da Câmara (Eduardo Cunha). É um impeachment sem motivo, com desvio de finalidade e, portanto, totalmente vazio. Quando as pessoas dizem que impeachment não é golpe porque está na Constituição, a questão não é estar ou não estar, mas estar sendo bem aplicado. Tem um descompasso entre lei e fato, e isso é um golpe. Pretender aplicar um instituto que tem regras muito claras, como o impeachment, diante de fatos que não o justificam, é uma desfiguração da ordem jurídica, uma violência à Constituição. Não há crime de responsabilidade da presidente, há um desencadear que se deu pela óbvia e evidente vingança do presidente da Câmara, que queria impor certas coisas ao Executivo e não teve o resultado que desejava.
Por não ter recebido o que queria ou por que estava sendo investigado?
A vingança tem vários aspectos. O presidente da Câmara atribuía ao governo e, particularmente a mim, o fato de estar sendo investigado quando o que se faz neste governo é se garantir a autonomia da investigação. Ninguém manda investigar A, B, C ou D, ou poupar A, B, C ou D. Parece que ele não entendia isso. Posteriormente, havia publicamente uma situação em que ele exigia que o governo interferisse no Congresso, para que fosse absolvido no Conselho de Ética, e o governo não fez isso. Ficou evidente que era uma vingança. O governo não interfere em investigações.
O senhor concorda com o pedido de afastamento de Cunha da presidência da Câmara, feito pela Procuradoria-Geral da República?
Tenho que concordar e discordar de coisas que estão sob minha competência. Não cabe a mim decidir se o presidente da Câmara tem que ser afastado, cabe ao Judiciário, e o que o Judiciário decidir será respeitado. Estou dizendo claramente que o pedido de impeachment foi aberto de maneira ilegal porque houve desvio de poder. O impeachment foi aberto de maneira ilegal e por vingança, o que lhe caracteriza um pecado original insuperável.
A relação entre Executivo e Legislativo está deteriorada? A presidente foi vaiada no Congresso semana passada.
Não achei que tinha um ambiente ruim. Fui parlamentar por oito anos.
O senhor já tinha visto uma vaia para um presidente dentro do Congresso?
Não, não me lembro de ter visto um presidente no Congresso. Não vejo a relação deteriorada. Vejo setores da oposição que, dentro do seu papel, tentam permanentemente criar situações embaraçosas, ou situações que prejudiquem o Executivo. Acho que, neste momento, seria melhor que a oposição discutisse propostas para tirar o país da crise do que investir no “quanto pior melhor”. Os brasileiros preferem que nós e os governantes de oposição encontremos mais convergências. Mas há setores que acham que, quanto mais se agudizar a crise, melhor para seus anseios pessoais e partidários de poder. Eu lamento.
O governo pretende chamar a oposição para uma tentativa de convergência. Há cenário favorável?
O governo está aberto ao diálogo com todos, está disposto à pactuação com todos, mas há pessoas da oposição que acham que a tática correta é negar o diálogo, a possibilidade de pactuações, para que a crise se aprofunde e eles tenham dividendos na disputa de poder. Estamos dando passos importantes na perspectiva da construção da saída. O orçamento da presidente mostra isso.
Orçamento calcado na recriação da CPMF, que dificilmente será aprovada.
Acho que vai ser recriada. Você está pessimista. Já vi muitas coisas acontecerem no Brasil, que as pessoas falavam ser impossível acontecer, mas acontecem. Eu acho perfeitamente possível que tenhamos maioria para aprová-la.
A recriação da CPMF passa pela ajuda de congressistas influentes. Semana passada, o principal fiador do governo no Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros, teve uma denúncia retomada no STF. O quanto isso impede o governo de navegar em águas mais tranquilas no Congresso?
O presidente Renan tem tido um papel muito importante na consolidação de alternativas para sair da crise. Sequer sei, e acho que ninguém sabe, qual o voto de relator (no STF), neste caso. Não sei se é para arquivar, se é para denunciar, não posso dizer se é uma situação de desgaste. Não podemos especular. O que sei é que o relator está pronto para apresentar seu voto. Acho que esse tipo de coisa tem que ser medido no seu devido tempo. É indiscutível que Renan tem um papel muito importante no país para a busca da saída da crise. O que vai acontecer neste processo, não sei dizer.
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