Apressado, Alexandre de Moraes entrou e saiu de vários gabinetes do Senado, nos últimos dias, com um sapato que definiu como “ruim” para aquela maratona. Escolhido pelo presidente Michel Temer para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro licenciado da Justiça era o típico candidato em campanha. Às vésperas da sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), marcada para terça-feira (21), ele distribuiu aos senadores a 32.ª edição de seu best-seller Direito Constitucional e tirou até “selfies” nos corredores da Casa.
“Sucesso e sorte!”, escreveu Moraes na dedicatória da obra, com pequenas variações, dependendo do grau de proximidade com o parlamentar. Dois seguranças da Polícia Federal e um ajudante de ordens que carregava os livros de capa preta em sacolas acompanharam o indicado do presidente no beija-mão pelo Senado.
Moraes andava tão rápido pelo túnel do tempo – como é conhecida a ligação entre o Salão Azul, as salas das comissões e os gabinetes – que repórteres eram obrigados a correr para alcançá-lo. “E olhe que esse sapato é ruim”, disse ele, na terça-feira (14), abrindo um sorriso quando um jornalista perguntou se aquele preparo físico se estendia ao preparo para a sabatina.
Foi a única resposta dada pelo homem que, à frente da Justiça, sofreu um desgaste após o outro com as rebeliões nos presídios e a crescente onda de violência. “Só dou entrevista depois da sabatina e da votação do meu nome em plenário”, avisou.
No esforço para demonstrar independência do Palácio do Planalto, mas também agradar àqueles de quem depende para chegar ao Supremo, o ministro licenciado foi econômico, ainda, nos comentários sobre a Operação Lava Jato. Seguiu as ordens de Temer, que o mandou fechar a boca a respeito de temas espinhosos.
Mesmo assim, Moraes correu riscos. A portas fechadas, disse ser favorável a restringir o foro privilegiado. Para ele, a prerrogativa deveria alcançar apenas os presidentes da República, da Câmara e do Senado, além do vice e magistrados do Supremo.
“No Brasil, todo mundo faz delação com muita facilidade”, constatou Moraes, na conversa com João Capiberibe (PSB-AP), sem adiantar se defende mudanças nesse sistema. “Você não viu como era na época da ditadura”, retrucou o senador.
Se o novo modelo de foro privilegiado estivesse em vigor, denúncias da Lava Jato envolvendo deputados, senadores e ministros do governo, por exemplo, seriam julgadas em primeira instância, quando transformadas em ações penais.
“Eu não concordo com isso. A política é como uma rosa, que também tem espinhos. O parlamentar precisa de proteção no exercício da função. Se ficar à mercê de questões locais, está morto”, reagiu José Medeiros (PSD-MT). O senador é um dos dez parlamentares que participaram de um jantar com o candidato ao STF no barco Champanhe, de propriedade de Wilder Morais (PP-GO), no último dia 7. Sandro Mabel, assessor de Temer, também bateu ponto ali.
Moraes foi lembrado, naquela reunião, de que o fato de ter advogado para o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso desde outubro, seria explorado contra ele. Desde então, o pretendente à cadeira de Teori Zavascki – o relator da Lava Jato que morreu em acidente aéreo – repete como mantra que a estrutura jurídica é composta por um tripé, no qual o Ministério Público acusa, o advogado defende e o juiz absolve ou condena.
“Se o indicado para o Supremo fosse Moro [juiz Sergio Moro, que mandou prender Cunha], haveria aplausos. Se fosse o Janot [Rodrigo Janot, procurador-geral da República], também. Por que há desconfiança em relação ao advogado? Cada um cumpre o seu papel”, argumentou Moraes, de acordo com relato de senadores ao Estado.
Vídeos
Avesso a treinamentos como media training, o ministro licenciado requisitou os vídeos das sabatinas de Teori e de Edson Fachin na CCJ do Senado. Além disso, está lendo os questionamentos que senadores fizeram a outros magistrados, como Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Carlos Ayres Britto.
“Nós vamos questioná-lo de forma dura, mas pode ficar tranquilo que não faremos com o senhor o que fizeram com o ministro Edson Fachin, porque ninguém merece aquilo”, disse a líder do PT no Senado, Gleisi Hoffmann (PR), quando Moraes a procurou. Era uma referência à sabatina ocorrida em maio de 2015, que durou mais de 12 horas. No último dia 2, Fachin foi escolhido, por sorteio, o novo relator da Lava Jato.
Filiado ao PSDB até 12 dias atrás, quando se desligou do partido, Moraes enfrenta protestos nas redes sociais. Ex-titular da Segurança no governo de Geraldo Alckmin, o advogado que começou a carreira política no PFL (hoje DEM), chegou a “supersecretário” na gestão de Gilberto Kassab – atual ministro das Comunicações – e depois migrou para o PMDB de Temer coleciona polêmicas e acusações. Entre elas, a de copiar trechos de uma obra em espanhol e a de ter defendido o PCC. “Isso virou um telefone sem fio”, reclamou.
No portal e-Cidadania, mantido pelo Senado, 700 internautas já haviam mandado, até sexta-feira (17), sugestões de perguntas para a sabatina, a maioria levantando suspeitas sobre a isenção de Moraes para o cargo.
Em sua tese de doutorado, apresentada há 17 anos na USP, Moraes escreveu que detentores de cargos de confiança no Executivo deveriam ser proibidos de ocupar uma cadeira no Supremo, “durante o mandato do presidente da República em exercício”, como revelou o Estado de S. Paulo. Na sua avaliação, o veto evitaria “demonstração de gratidão política” na Corte.
“Fui franco e disse a ele que achava um erro o presidente indicá-lo para o Supremo”, contou o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). “É como se Abraham Lincoln tivesse tirado o comandante das tropas da União na Guerra Civil norte-americana.”
Ao se debruçar sobre a história, o senador foi acometido por um “branco”, que não escondeu de Moraes. “Olha, ministro, apesar de ter sido um estudioso daquele período, não me lembro o nome do general de Lincoln”, admitiu, entre risos.
Com a “deixa”, Moraes exibiu os seus conhecimentos. “General Grant”, respondeu ele, sem pestanejar, numa alusão a Ulysses Grant (1822-1885). “Isso me impressionou muito”, confessou Cristovam. O senador ainda não sabe, porém, se a lembrança de Grant será suficiente para apoiar o ex-tucano. “A gente não escolhe ministro do Supremo pela cultura. Se fosse hoje, eu tenderia a votar não.” Logo depois, porém, fez meia-volta: “Mas vamos esperar a sabatina.”