O rio Amazonas mete medo só de olhar. É grande, largo, profundo. Das suas águas barrentas nasceu a lenda do boto que rouba moça bonita nas festas juninas. Nas mesmas águas, as crianças ribeirinhas vivem uma realidade que não se conta, de tão feia que é. Elas aprendem desde muito cedo a superar o medo para tirar do rio o sustento da família. São muitas, espalhadas no curso de 1.700 quilômetros entre Manaus e Belém. No meio do caminho, na altura de Óbidos (PA), Jailson e Adenivaldo Borges, tio e sobrinho de 11 e 9 anos, respectivamente, suportam os dias numa luta desigual contra os humores do rio-mar.
O bote desses meninos perfila-se ao lado de uma dezena de outros iguais, às margens do Amazonas. O tempo ensinou a hora certa dos recreios, navios que levam e trazem gente e carga de todo tipo naqueles confins do Brasil. O que interessa para eles são os passageiros, uns 150 em números redondos. Avistado o navio, de repente começa o avanço desenfreado de um quase sem-número de canoa, entre elas a de Jailson e Adenivaldo. O que aparenta um ataque de piratas na verdade é uma corrida contra a fome. Quem chega antes tem mais chance de vender o camarão, o coco, o palmito, a banana.
Mas para alcançar os passageiros é preciso antes puxar fôlego, lançar o frágil barquinho de madeira contra o navio e torcer muito para tudo dar certo. As mãos cansadas de remar precisam ainda enroscar na lateral da embarcação o ferro em forma de anzol. A manobra é perigosa, muitos ficam pelo caminho. Jailson e Adenivaldo conseguem desta vez. Tudo isso para vender meia dúzia de pencas de banana que não renderiam R$ 10. A canoa deles é a última da fila, atrás de outras cinco. Do lado oposto, seis mercadores já haviam subido ao convés do navio e nas duas repartições intermediárias, onde os passageiros passam os dias da viagem estirados em redes.
Faz alguns meses Jailson aprendeu o ofício com os amigos mais velhos e agora transmite as técnicas para o sobrinho Adenivaldo. "Nunca caí não, moço", diz o mais velho enquanto amarra o barquinho na borda do navio. O pai é pescador e eles colhem as frutas na mata para vender para os passageiros dos navios que passam quase todos os dias por ali. Jailson estuda na terceira série e Adenivaldo na primeira série de uma escola rural instalada a poucos quilômetros da casa onde vivem, às margens do Amazonas. Quatro barquinhos à frente deles está Evaldo Martins Ferreira, 15, com um ano de experiência no comércio de rio.
Evaldo diz nunca ter sofrido acidente, mas já viu coletas despencarem nas águas depois de manobra mal-sucedida. Já houve feridos, mas não mortes, diz ele. Esse comércio se dá num dos pontos mais perigosos do rio. No médio e baixo cursos, as águas do Amazonas correm a uma velocidade média de 2,5 quilômetros por hora, que pode triplicar na altura da cidade paraense de Óbidos, onde o rio transpõe sua garganta mais estreita em território brasileiro, com cerca de 2.600 metros de largura. Ali fica a parte mais profunda ao longo de seu talvegue, alcançando uma altura superior a 50 metros do chão à crista das águas.
A esses jovens mercadores juntam-se também os mendigos do rio. São mães que põem até quatro filhos sobre um frágil barquinho de madeira e remam para bem perto dos navios de passageiro atrás de doações. Não se aproximam muito, ficam a uma distância suficiente para recolher os sacos plásticos que impermeabilizam alguma doação lançada às águas. Enquanto as mães remam, crianças de 3, 4 ou 5 anos de idade fazem gestos com as mãos para sensibilizar os passantes. Na maioria das vezes não conseguem. Quando o navio passa, voltam cabisbaixas para a margem do rio, à espera do próximo.
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