Em lados avessos de uma crise que fez estremecer o Congresso Nacional, a presidente afastada Dilma Rousseff (PT) e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB) parecem ter tudo para cultivarem uma longa e dura inimizade.
Personagens centrais de artimanhas e processos políticos que levaram, respectivamente, ao afastamento de um e à renúncia de outro, ambos insistem na defesa de projetos e posturas diferentes para atraírem novos holofotes ao Brasil.
COMPARE: Trechos e temas das cartas de Dilma e Cunha
Mas, embora façam questão disputarem o jogo em extremidades opostas, Dilma e Cunha mostraram, nos últimos dias, terem mais coisas em comum do que se imaginava – ou do que não se imaginava.
Duas cartas que marcaram a semana – a de defesa da presidente enviada à comissão de impeachment no Senado e a de renúncia do peemedebista – revelam que ambos pensam muito parecido sobre a situação atual do país e que acreditam terem percorrido o mesmo caminho para chegarem onde estão: o da injustiça e da perseguição.
“O maior risco para o Brasil neste momento é continuar a ser dirigido por um governo sem voto. Um governo que não foi eleito diretamente pela população não terá legitimidade para propor saídas para a crise”, escreveu Dilma Rousseff na carta de defesa enviada na última quarta-feira (6) à Comissão Processante do impeachment no Senado, citando uma crise que também faz parte do repertório da carta de renúncia de Cunha, publicada abertamente nesta quinta-feira (7).
“É público e notório que a Casa [Câmara dos Deputados] está acéfala, fruto de uma interinidade bizarra, que não condiz com o que o País espera de um novo tempo após o afastamento da Presidente da República. Somente a minha renúncia poderá pôr fim à essa instabilidade sem prazo”.
A obviedade de um país politicamente esfacelado não é o único argumento em peso a que Dilma e Cunha recorreram. Nas suas respectivas cartas, eles constroem narrativas baseadas em perseguição, se expõem como vítimas, como responsáveis por grandes legados e não deixam de usar o impeachment como questão central de toda a trama.
Estratégia
O teor das cartas não é mera coincidência. Para o cientista político e professor da Uninter, Doacir Quadros, a semelhança indica uma estratégia recorrente no ambiente político, que é recorrer a juízos morais que possam ajudar no restabelecimento de uma reputação abalada.
Temer e Dilma: quem perde e quem ganha com a saída de Cunha
Leia a matéria completa“O que a Dilma Rousseff e o Cunha possuem em comum dentro dessa trama política recente? Ambos estão envolvidos em um dos maiores escândalos de corrupção. Uma das características de quando o político está envolvido em escândalos como esse é de que, de fato, a reputação e a confiança dele se deteriorem”, analisa o professor.
Ele ressalta que o que mais torna as cartas semelhantes é a retórica pautada na questão moral, muito mais emocional do que técnica, mas que, embora essa ainda seja a melhor estratégia política encontrada por eles na atual situação, pode nem sempre fazer surgir um efeito positivo na sociedade.
“Hoje posso, felizmente, dizer que a opinião pública não é ingênua a ponto de levar em conta o que de fato está no teor dessas cartas nem de acreditar nas lágrimas do Cunha. Mas, essa estratégia ainda é a melhor forma de comportamento para os dois porque de fato é o melhor caminho para ressaltar os valores morais que eles querem retomar”, finaliza.
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