Italianos, em protesto na semana passada pela extradição de Battisti, na frente da embaixada do Brasil em Roma: após as manifestações populares, Parlamento da Itália formaliza pressão sobre o Brasil| Foto: Max Rossi/Reuters

Advogado-geral da União diz ter certeza de que Battisti fica

Brasília - O advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams, afirmou ontem que a decisão de negar a extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti e mantê-lo no Brasil como asilado foi um ato soberano do governo brasileiro. Ele disse que o ato foi tomado com base na lei e no tratado entre os dois países e, por isso, deverá ser confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). "A decisão está tomada e cabe ao STF dar sequência", afirmou Adams, após audiência de uma hora com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

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Conforme vinham ameaçando nos últimos dias, as autoridades da Itália fizeram ontem a primeira retaliação ao governo brasileiro em virtude da recusa do ex-presidente Lula (PT) de extraditar o ex-ativista italiano Cesare Battisti. Por unanimidade, a Câmara dos Deputados italiana decidiu congelar a votação de um acordo militar já assinado com o Brasil para o reaparelhamento da Marinha.

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Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, porém, ações como essa não devem ir muito longe. Segundo eles, na relação entre os dois países, os italianos têm mais a perder, sobretudo do ponto de vista econômico.

Condenado

A crise diplomática entre Brasil e Itália foi aberta no último dia de mandato de Lula, 31 de dezembro, quando o ex-presidente decidiu conceder asilo político a Battisti e não extraditá-lo à Itália. Lá, o italiano é considerado um terrorista e foi condenado por quatro assassinatos realizados na década de 70. A decisão do petista não foi bem recebida pelos italianos, principalmente porque o Supremo Tribunal Federal (STF) havia aprovado a extradição de Battisti, mas determinado que a decisão final caberia a Lula.

Em recentes entrevistas a órgãos de imprensa italianos, o ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, afirmou que Lula encerrou o mandato "da pior maneira" e ameaçou levar a decisão brasileira à Corte Internacional de Haia, órgão das Nações Unidas que julga conflitos entre países e casos de violações de direitos humanos.

Frattini também disse que o governo poderia congelar tratados comerciais e militares entre as duas nações cuja movimentação financeira está estimada em R$ 22,1 bilhões. "Entre os dois países existem interesses profundos, mas neste clima eu não vejo assim fácil a aprovação do tratado. Existem princípios que valem mais que tudo e a luta contra o terrorismo não pode tolerar lacunas, como aquelas provocadas por Lula", disse o ministro da Itália recentemente.

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Ontem, a conferência de líderes partidários da Câmara de Deputados da Itália confirmou a ameaça de Frattini e adiou a votação do acordo de cooperação militar, que foi ratificado por Lula e pelo premiê italiano Silvio Berlusconi, em Washington, no começo de 2010. Pela proposta, os dois países trocariam informações e tecnologias militar, de defesa e aeroespacial.

Os parlamentares italianos também decidiram que votarão na próxima terça-feira uma moção pela extradição de Battisti.

Análise

Questionados sobre o assunto, especialistas consultados pela Gazeta do Povo foram categóricos em afirmar que as retaliações do governo italiano não devem progredir e que dificilmente será concretizada a ameaça de levar o caso à Corte de Haia. "O mundo todo, e especialmente a Itália, está passando por problemas econômicos. Os italianos dependem muito mais do Brasil do que o contrário. A maior fábrica da Fiat, por exemplo, está em Betim (MG)", argumenta Jorge Fontoura, doutor em Direito pela Universidade de Parma e professor do Instituto Rio Branco, que forma os diplomatas brasileiros.

O professor de Direito Inter­­nacional Eugênio Aragão, da Universidade de Brasília (UnB), tem a mesma opinião de Fon­­toura. Para ele, a atuação da diplomacia brasileira no caso foi comprometida pelo ministro do STF Gilmar Mendes. Há dois anos, quando era presidente do Supremo, Mendes se reuniu com o então embaixador da Itália no Brasil, Michele Valensise, e se comprometeu pessoalmente com o caso. "Essa atitude gerou a expectativa do governo italiano de que o STF pudesse mudar alguma coisa. Mas cooperação jurídica é algo que se faz de forma discreta", critica. "A partir daí, o rufar de tambores do governo italiano fez disso uma agenda política."

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Os dois especialistas também são unânimes em defender o direito constitucional de o presidente do Brasil atuar na política externa, seja qual for a decisão que venha a tomar. "Essa é a expressão da soberania do Estado. O presidente está no seu pleno direito de fazê-lo conforme prevê a Constituição. O STF exerce a jurisdição de garantia dos direitos do extraditado, mas não faz política externa", defende Aragão.

"O problema não é se o Lula poderia – afinal tem poderes para isso –, mas se deveria fazê-lo. Sobretudo porque sua justificativa não ficou muito clara. Mas a política externa presidencial é uma política ideológica", afirma Fontoura. "Em relação à Itália recorrer à Corte de Haia, vejo como algo improvável, até porque isso levaria anos para ser decidido."

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Interatividade

A Itália vai conseguir reverter a decisão brasileira de não extraditar Cesare Battisti? Por quê?

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