Brasília - Aos 72 anos, Jaime Lerner usa uma frase que criou aos 60 para descrever seu atual estado de espírito. "Quem cria nasce todo dia", diz o ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná. Colocado em prática, o pensamento resumiu na semana passada os motivos que levaram a revista norte-americana Time a listá-lo entre os 25 pensadores mais influentes do mundo.
A publicação dá destaque aos conceitos de sustentabilidade implantados por Lerner na capital paranaense. Ele, no entanto, usa o momento e os elogios para dar um lembrete aos conterrâneos. "É muito importante que Curitiba preste atenção em Curitiba. Ela precisa estar atenta ao que representa para o mundo inteiro", afirmou, em entrevista exclusiva concedida na sexta-feira, dia depois de saber da indicação.
O que a presença na lista da Time significa?
É uma honra muito grande ser citado ao lado de tanta gente que com certeza é muito mais importante do que eu. Representa também o reconhecimento à minha visão do que é uma cidade. É para isso que eu tenho dedicado meu trabalho, minha vida toda. É um prêmio à crença de que as cidades não são problemas. Elas podem ser soluções.
Como o senhor soube que estava na lista?
Quando a revista chegou às bancas eu estava em viagem, justamente embarcando de Nova Iorque para Curitiba. Sabia que havia um pessoal da revista atrás de mim, que eles tinham ligado para a Universidade de Columbia [Lerner estava nos Estados Unidos dando um curso para alunos de Arquitetura]. Percebi que tinha alguma coisa positiva, mas não tinha ideia do que fosse. Realmente eu não esperava por uma coisa dessas. Na hora o que me veio à cabeça foi pensar em todos os que me ajudaram a fazer isso.
O quanto Curitiba é importante para esse reconhecimento internacional?
Curitiba foi fundamental porque foi um processo de aprendizado. A partir dela eu tive uma convicção de que as coisas podem acontecer. Ou seja, percebi que nós podemos fazer a diferença. É só ter um sonho sempre na frente do seu tempo e procurar colocá-lo em prática.
O senhor deixou a prefeitura há quase 18 anos. Em que a cidade mudou nesse período?
Curitiba é um desafio de inovação constante. E eu acho que ela tem evoluído e correspondido a esses desafios. Mas é sempre bom repetir algumas coisas. É muito importante que Curitiba preste atenção em Curitiba. Ela precisa estar atenta ao que representa para o mundo inteiro.
O curitibano não se dá conta disso?
O curitibano se dá conta, sim, mas é importante sempre ter isso em mente. Curitiba é diferente de qualquer outra cidade do mundo.
O prefeito de Vancouver (Canadá), Gregor Robertson, escreveu o perfil do senhor na Time e fez uma citação ao sistema de corredores exclusivos de ônibus que são referência no mundo inteiro. Hoje, no entanto, Curitiba se esforça para construir o metrô. O que o senhor pensa disso?
O que é necessário é que haja um esforço de não anular o que houve, mas de melhorar o que já está pronto. O sistema ainda pode evoluir e muito. Existe um caminho muito grande pela frente. Não é meia linha do metrô que resolve o nosso problema de trânsito. O que resolve é aperfeiçoar o sistema atual. Não tem sentido o mundo inteiro ter Curitiba como referência e Curitiba relaxar no que tem de melhor.
Curitiba quer copiar o mundo enquanto o mundo quer copiar Curitiba, é isso?
Curitiba precisa manter o compromisso com a inovação. Se inovou e deu certo, tem de se orgulhar disso.
O senhor se sente mais reconhecido fora de casa do que no Paraná?
Eu não tenho essa preocupação. O que eu sempre procurei é ter o respeito dos meus vizinhos, dos meus amigos, dos meus concidadãos. Procuro ser útil à sociedade. Acho que posso fazer isso levando a experiência que a gente tem em Curitiba para outras cidades.
Como é sua rotina de trabalho hoje?
Viajo muito e tenho uma equipe que me acompanha. Trabalhamos em algumas cidades no mundo inteiro e procuramos promover o que chamamos de acupuntura urbana. Além da visão da cidade, tentamos difundir a visão de como fazer as coisas. Nossa ideia é ajudar as pessoas para que elas possam fazer a sua própria transformação na cidade em que moram.
O senhor é mais feliz longe da política?
A política que eu fiz foi coerente com o que eu sempre pensei e defendi. Foi um tempo da minha vida ao qual eu me dediquei com muita força. A política não me faz falta, mas não foi uma época ruim. Hoje eu continuo fazendo as coisas que eu gosto, com mais tempo. Acho que levo uma vida boa. Eu me lembro de quando eu completei 60 anos e as pessoas brincavam que estava velho, um sexagenário. Aí eu criei uma resposta que ainda vale para hoje: "Quem cria nasce todo dia".
Como o senhor tem acompanhado o debate eleitoral?
Não tenho acompanhado, mas se acompanhasse teria sono. Falta inovação.