| Foto: Ilustração/Felipe Mayerle

Sonegar impostos quando as taxas são elevadas é aceitável? E subornar um guarda para escapar de uma multa? O conceito de honestidade é relativo, a depender da situação com a qual se confronta?

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Pelo menos um em cada quatro brasileiros diria que sim. Esse tipo de desvio de conduta, cotidiano e dissimulado, que chamamos de “jeitinho brasileiro”, evidencia a contradição entre a indignação popular em relação à corrupção no setor público e a relativização dos pequenos delitos e desobediências.

Duas pesquisas recentes mostram que os brasileiros têm dificuldade para compreender a noção de ética e distinguir o privado e o bem comum, o que pode explicar os dois pesos e duas medidas. O estudo conduzido pela Universidade de Brasília (UNB) revelou que 31% não entende a diferença entre o que é público e o que é privado. Já a pesquisa feita pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) descobriu que o desvio individual não é entendido como corrupção – por isso tanta gente considera sonegar impostos errado, mas não corrupto.

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“Ladeira escorregadia”

Especialistas explicam que a naturalização de desvios de conduta no dia a dia tem mais a ver com aspectos culturais, políticos e econômicos do que com caráter individual. O procurador do Ministério Público Federal (MPF) e integrante da força-tarefa da Lava Jato, Paulo Galvão, considera a impunidade o elemento decisivo na equação da corrupção, seja ela de grandes ou pequenas proporções.

“Pesquisas mostram que a corrupção é uma decisão racional, na qual o indivíduo pondera benefícios e riscos. Se os riscos são baixos, as pessoas cometem a corrupção”, explica. Galvão destaca ainda a metáfora slippery-slope (ladeira escorregadia), termo utilizado para descrever o comportamento corrupto: a cada desvio cometido e não punido, os limites morais tornam-se mais flexíveis e o próximo desvio, mais grave.

Análise: Corrupção “do bem” e corrupção do mal

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Tem diferença?

O assunto é espinhoso: muita gente faz, mas não admite; ou faz porque todo mundo faz; ou porque “tem coisa muito pior”. A dúvida sobre se existe diferença entre desviar dinheiro público ou pagar propina em processos licitatórios e declarar informações falsas ao Imposto de Renda ou subornar o guarda para evitar multas (duas das pequenas corrupções mais cometidas pelos brasileiros, segundo a Controladoria Geral da União) é comum.

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O cientista social Robson Souza, da PUC-MG, esclarece que existe diferença, sim. As consequências geradas é que definem a maior ou menor gravidade da corrupção. No entanto, ele ressalta que os pequenos desvios no âmbito privado, mesmo sem intenção criminosa, repercutem formando uma cultura leniente e descrente da lei, legitimando a ação dos grandes corruptores e corruptos.

Caminhos possíveis

Para resolver esse problema, especialistas apontam dois caminhos: fiscalização e punição adequada para atos corruptos e educação. “Uma das medidas para inibir a corrupção seria aumentar a probabilidade de punição e a pena”, avalia Galvão, fazendo menção à campanha encampada pelo MPF, “Dez medidas contra a corrupção”, que pretende transformar atos corruptos em crime hediondo.

Na avaliação de Souza, uma mudança de comportamento mais efetiva demanda intervenções profundas nas estruturas de poder e no sistema educacional. “As escolas têm de ensinar noções de pertencimento e de esforço coletivo para formar pessoas críticas e comprometidas com sua comunidade”, aposta Souza.

Pequenas corrupções

Para a campanha “Pequenas corrupções – Diga não”, a Controladoria Geral da União (CGU) elencou as dez práticas de corrupção mais comuns no cotidiano do Brasil:

- Não emitir nota fiscal
- Declarar informações falsas ao Imposto de Renda
- Tentar subornar o guarda para evitar multas
- Falsificar carteirinha de estudante
- Dar/aceitar troco errado
- Roubar TV a cabo
- Furar fila
- Comprar produtos falsificados
- No trabalho, bater ponto pelo colega
- Falsificar assinaturas

Já o economista Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UNB), aponta a atuação do MP e da Polícia Federal no âmbito da Lava-Jato como embrionária de uma nova consciência coletiva. “Pode interferir positivamente, sim. Mas uma mudança dessas não acontece de uma hora para outra: envolve várias gerações e precisa acontecer tanto na sociedade civil quanto na política, no longo prazo.”

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O custo social

As consequências de tornar a corrupção miúda tolerável afetam tanto as relações privadas e interpessoais quanto a coletividade. “O jeitinho brasileiro estimula uma competitividade exacerbada, cria um cenário em que a preocupação é obter vantagem em qualquer situação e a qualquer custo. De uma perspectiva social, se constrói uma sociedade sem apreço pelo espaço público, incapaz de reconhecer suas qualidades e despreocupada em contribuir para sua melhoria”, observa o cientista social Robson Souza, que estuda pequenas corrupções do cotidiano.

Colaborou Kelli Kadanus.

O brasileiro e a corrupção

A organização internacional Transparency International apurou a percepção social da corrupção em 168 países. No Brasil, revelou-se o descrédito da população em relação às instituições e aos poderes públicos:

70% dos brasileiros acham que a corrupção no setor público é um problema sério

81% consideram que os partidos políticos são corruptos ou extremamente corruptos

72% acham que o Legislativo é corrupto ou extremamente corrupto

50% acredita que o Judiciário é corrupto ou extremamente corrupto

70% considera a polícia corrupta ou extremamente corrupta

55% acha que o sistema e serviços de saúde são corruptos

81% acredita que o cidadão comum pode fazer a diferença na luta contra a corrupção