No dia 12 de dezembro de 2013, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiram ao palco do Centro de Convenções Brasil 21, em Brasília, e ouviram da plateia do 5.º Congresso Nacional do PT um grito contínuo: “Dirceu, guerreiro do povo brasileiro! Dirceu, guerreiro do povo brasileiro!”. Vinte e oito dias antes, em 15 de novembro, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu havia levantado o punho cerrado — reproduzindo o símbolo do movimento operário internacional contra os exploradores capitalistas — ao subir a rampa da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo para começar a cumprir pena no caso do mensalão. Agora, com a nova prisão, na Operação Lava Jato, e a acusação de que dinheiro desviado da Petrobras o beneficiou pessoalmente, a solidariedade deu lugar à decepção.
Um partido sem capitão
Para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, ainda que José Dirceu tenha sido preso preventivamente, sua situação “já respinga” e “é prejudicial para o PT”. A visão é compartilhada por parlamentares aliados e de oposição.
“O PT já está todo maculado. Isso é uma pá de terra, e não sei se a última”, observa o deputado federal JarbasVasconcelos (PMDB-PE). “Está enterrada essa figura do “capitão do time”. Se ele foi expulso de campo, foi preso e voltou à prisão, o que o partido tem mais a dizer?”
“O PT está afetado no limite máximo, pelo que algumas pessoas da sigla realizaram, tanto no chamado mensalão, como no caso da Petrobras. Não há mais o que afetar”, completa Tarso Genro (PT), ex-governador do Rio Grande do Sul, que, no entanto, aponta uma “divulgação direcionada das investigações” contra o partido. “Tanto de verdades como de mentiras. Essa divulgação já causou o dano máximo que tinha que causar”,completa.
Roberto Jefferson, ex-deputado do PTB-RJ e um dos maiores desafetos de Dirceu — que nele despertava “os instintos mais primitivos” — avalia que o PT “perde um de seus alicerces”: “O PT perde um ícone, um de seus mitos. Por outro lado, a prisão de Dirceu apazigua os ânimos. O povo vê que os homens mais poderosos não escapam das garras da lei”.
Sobre os efeitos a longo prazo da nova prisão do ex-ministro no cenário político-eleitoral, não há consenso. Carlos Velloso, ex-ministro do Supremo, entende que “a credibilidade do PT é praticamente zero” e que o único caminho possível para a sobrevivência do partido nas próximas eleições é “um exame de consciência”:
“O PT deve abominar esses fatos, em vez de tentar justificá-los. Há membros do partido que já defendem uma tomada de posição em favor da ética, que pode até significar uma expulsão”, diz.
Já Vladimir Palmeira, um dos fundadores do PT e, hoje, filiado ao PSB, não acredita em tamanho impacto para as próximas eleições: “Não acho que a prisão de Dirceu tenha influência para o PT nas próximas eleições. Já tinham descoberto esse tremendo esquema de corrupção na Petrobras. O estrago já está feito”.
Na noite da última segunda-feira (3), horas depois de Dirceu ser preso de forma preventiva, o PT emitiu uma nota enxuta sobre o caso. Defendeu a legalidade das operações financeiras da legenda e não fez qualquer menção ao “guerreiro do povo brasileiro”, que, em 2003, ao assumir a Casa Civil, havia sido apresentado por Lula como “o capitão do time”. A nota de agora é um sinal de afastamento cauteloso da sigla em relação a um de seus ícones.
Dirceu, por sua vez, ao entrar no carro que a Polícia Federal usara para buscá-lo em sua casa, adotou postura discreta. De terno cinza e mais grisalho, não olhou para as câmeras e não levantou o braço. Muito menos cerrou o punho. Em vez do apoio que recebera, há menos de dois anos, no congresso do PT, na noite de segunda-feira, a prisão mobilizou uma tímida vigília com apenas 15 manifestantes, reunidos em seu apoio, em frente ao Supremo Tribunal Federal. O mito do guerrilheiro, do político alinhado com bandeiras sociais e do ministro superpoderoso ruiu e insuflou a discussão sobre o futuro de seu partido.
“ Dirceu teve três momentos”, analisa o deputado federal Miro Teixeira (PRos-RJ). “No primeiro, tinha muito poder. Era bajulado. No segundo, o da denúncia do mensalão, teve a solidariedade dos companheiros. A partir da condenação, veio o terceiro, que foi o de não bater em quem já está preso. Agora, a nota oficial do PT, sem falar dele, é um sintoma do quarto momento: o da decepção”, emenda.
Geração desencantada
Pelos corredores de Brasília, Miro conta que são poucas as pessoas próximas a Dirceu que nos dois últimos dias teceram comentários públicos: “Os que falam dizem apenas: ‘Que decepção’”.
Desde 2005, quando vieram à tona as primeiras denúncias do mensalão, parte da militância e de simpatizantes do partido começou a se desiludir. Na segunda-feira (3), a sensação de perda se agravou, segundo relatos colhidos pela reportagem entre pessoas de diferentes segmentos da sociedade.
“Dirceu era meu ídolo nos anos 1960. A decepção é gigantesca”, conta a escritora e pesquisadora Heloisa Buarque de Hollanda, com certo desconforto. “Ver um ídolo acusado de manipular a política, de comprar apoio… é uma dor que os anos 1960 não merecem”.
Há também aqueles que lamentam o desfecho melancólico da carreira política de Dirceu. “Politicamente, é o fim. Encerra o mito de maneira dolorosa e cruel. Tenho muita pena”, afirma o ex-senador Pedro Simon (PMDB-RS), sobre seu ex-colega de Congresso. “Dirceu está em situação trágica. Foi algo que, aos poucos, foi se confirmando, mas a gente torcia para que não fosse verdade”, completa.
Um terceiro grupo, mais crítico, reúne aqueles dispostos a atacar a conduta do ex-ministro e acreditam que só agora as reais ambições de Dirceu se revelaram por completo.
“Todos os jovens querem quebrar tabus, mudar o mundo. Só conhecemos o ser humano de verdade depois da meia-idade. Agora, sabemos exatamente quem é José Dirceu. Eu nasci em Leningrado e me disseram que eu morreria em Lulagrado, numa espécie de karma. Mas acho que não vou mais, não”, diz a atriz Elke Maravilha, prevendo que o PT, que “subestimou a inteligência” do povo, provavelmente não voltará ao poder.
A acusação de que Dirceu teria se beneficiado pessoalmente alimenta essa reação. Em vez de comprar apoio para seu partido, como no mensalão, teria recebido recursos de propina para, entre outras coisas, reformar a casa e viajar de avião.
“Comparando-se as duas investigações, agora chama a atenção o envolvimento no plano pessoal”, destaca Ayres Britto, ex-presidente do STF. “Se for confirmada a investigação, ele passa a responder por corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Sua situação se agrava muito”, acrescenta.
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