O sentimento generalizado de que o Brasil é o país da impunidade está longe de ser apenas uma percepção que não se sustenta na prática. Um estudo publicado pela revista da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que menos de 5% dos servidores públicos flagrados em atos corruptos são punidos judicialmente por isso. “A chance de alguém ser efetivamente preso, no Brasil, por corrupção, é próxima de zero”, dizem os autores da pesquisa.
Feito por Carlos Higino de Alencar e Ivo Gico Jr., o levantamento tomou como base seis ministérios do governo federal, entre 1993 e 2005. Nesse período, 441 servidores acabaram demitidos por envolvimento em práticas corruptas. Desse total, apenas 107 foram processados em ações de improbidade administrativa na esfera cível, o que representa 24,26%. Além disso, somente 7 condenações definitivas – em que não cabem mais recursos – ocorreram nesses casos. Ou seja: o desempenho judicial do sistema cível foi de 1,59%.
Na esfera criminal, o cenário é semelhante. Do total de 441 funcionários públicos demitidos, somente 150 deles sofreram processos criminais (34,01%). Dessas ações, em apenas 14 o servidor envolvido foi condenado em definitivo (3,17%). Combinando os dados penais e cíveis, a taxa de sucesso judicial envolvendo atos de corrupção no funcionalismo não chegou a 5% (4,76%).
Para os pesquisadores, os números “desalentadores” mostram que “a percepção generalizada de que pessoas corruptas nunca respondem à Justiça no Brasil não é exagerada”.
“Basta mudarmos o ‘nunca’ para ‘quase nunca’ que a afirmação se torna precisa. Do ponto de vista da teoria, é razoável inferir que o desempenho judicial no combate à corrupção é tão baixo que atividades ligadas à corrupção devem ser altamente lucrativas e, portanto, ubíquas [onipresentes] em nossa sociedade”, alertam.
No estudo, eles chegaram à conclusão que “a eficácia do sistema judicial no combate à corrupção no Brasil é desprezível”.
“Como um agente racional está normalmente preocupado com a probabilidade de ser punido, e não com a probabilidade de ser meramente processado, decorre diretamente da teoria e dos dados levantados que, atualmente, há no Brasil enormes incentivos à realização de práticas de corrupção, pois o servidor provavelmente sairá impune”, argumentam.
Ressaltando que o estudo levou em conta apenas a corrupção burocrática − e não tratou da corrupção política −, os dois pesquisadores afirmam que práticas corruptas no poder público diminuem a cooperação social, enfraquecem a capacidade de o Estado implementar boas políticas públicas, destroem a riqueza na busca por redistribuição de recursos e empobrecem a sociedade. “De um jeito ou de outro, por mais desagradável que seja, demonstramos que, ao menos por enquanto, no Brasil, o crime compensa.”
Dallagnol usa estudo para defender 10 medidas contra a corrupção
O estudo segundo o qual apenas 4,76% dos servidores públicos flagrados em atos corruptos são punidos judicialmente já foi citado mais de uma vez pelo procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal que atua na Lava Jato. Em junho deste ano, ao debater o projeto anticorrupção em audiência pública na Câmara do Deputados, ele afirmou que a punição a esses crimes no Brasil é “uma piada de mau gosto”.
“Nosso sistema é leniente e não funciona. A minha vida é uma vida de sofrimento não só com a corrupção, mas com o insucesso na luta contra a corrupção. Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas, a probabilidade de punição da corrupção é de apenas 3% [na esfera criminal]. E nesses casos a pessoa vai para a cadeia? Não vai, isso não é uma realidade. Porque no Brasil a punição da corrupção é uma piada e é uma piada de mau gosto”, afirmou na ocasião.
De acordo com Dallagnol, a impunidade é o “paraíso da corrupção”.
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