A Justiça Federal condenou por estelionato, a cinco anos e oito meses de prisão, a cúpula da Máfia das Sanguessugas – organização criminosa que, entre 2002 e 2006, montou esquema de fraudes a licitações para venda de ambulâncias superfaturadas a prefeituras de vários estados – na ocasião, foram desviadas verbas federais obtidas por meio de emendas parlamentares. A sentença põe em xeque a delação premiada, mecanismo supervalorizado na Operação Lava Jato, investigação que abriga pelo menos 30 colaboradores.
Os empresários Darci José Vedoin e seu filho, Luiz Antonio Trevisan Vedoin, e ainda Ronildo Pereira Medeiros – apontados como os mentores das Sanguessugas – fizeram delação. O esquema envolveu ‘deputados mancomunados, proponentes de Emendas ao Orçamento da União, incumbidos de drenar o dinheiro público’.
Desde o início das delações, em Mato Grosso, foram citados cerca de 80 parlamentares envolvidos com as Sanguessugas. Muitos deles já foram condenados em outras ações penais depois que terminaram seus mandatos e perderam a prerrogativa de foro privilegiado perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
O juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, homologou as delações, mas na sentença em que condena os três réus, além de impor também pagamento de R$ 3,39 milhões de indenização - R$ 1,13 milhão para cada um – a título de ‘reparação dos danos causados à coletividade, especialmente à saúde pública’, fez pesadas críticas ao instrumento mais eficaz e festejado da Lava Jato, a colaboração.
“O instituto [da colaboração] não se presta a estabelecer uma espécie de alforria para todos, do mais baixo ao mais alto escalão do crime. Todos livres! Isso seria o mesmo que conferir aos membros de uma organização um bill de impunidade, verdadeira imunidade absoluta, coisa jamais vista no direito internacional”, escreveu Mazloum.
“Teríamos, no Brasil, uma casta intocável, intangível, colocada acima do bem e do mal para fazer o que bem entender, pois, se e quando, alcançada, um dia talvez, pela lei penal, bastaria ensaiar ares vestais de arrependimento, entregar “mulas”, o mordomo ou quiçá o gerente, para livremente sair o “tubarão”, o chefe do tráfico, em seguro revoejo.”
Os Vedoin e Ronildo fizeram delação em vários processos penais a que respondem, inclusive em Cuiabá, base das Saneguessugas. Também fizeram delação perante a 7.ª Vara de São Paulo no processo sobre convênios firmados entre o Ministério da Saúde e a Sociedade Pestalozzi , atual Associação Brasileira de Assistência e Desenvolvimento Social (ABADS), entre 2002 e 2004 (governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva), com o objetivo de ‘obtenção de recursos públicos federais, mediante informações falsas’.
Na delação, os Vedoin acusaram quatro funcionárias da Pestalozzi. Todas acabaram absolvidas pelo juiz Mazloum, que as declarou inocentes. Ele concluiu que a Associação foi vítima do grupo. Ao rejeitar a delação, o juiz formulou um conceito de ‘colaboração premiada’. Fez distinção entre ‘colaboração’ e ‘delação’ e rechaçou taxativamente o pedido de perdão judicial para os empresários das Sanguessugas.
Mazloum destacou que a confissão ‘não alterou em nada o vasto acervo probatório que compõe o processo’. “A chamada “delação premiada” nada mais é que uma técnica de investigação utilizada pelo Estado para atalhar o desvendamento do fato delituoso mediante a oferta de benefícios ao colaborador.
A Lei 12.850/2013 trata corretamente o instituto pela denominação jurídica de ‘colaboração premiada’, pois nem sempre da colaboração decorre a delação, como demonstra o inciso V do artigo 4º da Lei, em que da espontânea atitude do agente colaborador resulta a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Neste caso, há colaboração, sem delação. Diferentemente, haveria delação quando a colaboração implicasse a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas.”
O juiz afirma. “A delação tem relação com a “deduragem’, assim, a colaboração é mais abrangente, seria o continente, ao passo que a delação uma espécie daquela, cinge-se à entrega de comparsas.Porém, sem mensuração, critérios, não se pode aplicar para quaisquer casos a possibilidade do prêmio [sanção premial]. A vulgarização da ‘delação’ pode custar-lhe a credibilidade. Aqui a segunda objeção: inservíveis delações de fortes contra fracos.”
Prejuízo
O prejuízo total, em valor histórico, somente destes convênios,atingiu a soma de R$ 640 mil, conforme demonstrou o Ministério Público Federal.
A sentença diz que os réus não tiveram um único contato com as funcionárias do Pestalozzi. “A relação deles era de outro nível hierárquico. O relacionamento se dava com agentes do governo, com parlamentares, com os detentores das emendas, que eram comissionados com a liberação das verbas.Por isso, tinham os parlamentares que conseguir donatários. Era crucial, para eles, parlamentares, encontrar entidades,fictícias ou sérias, para atingir o verdadeiro escopo do grupo, que nada tinha que ver com benemerência”, alerta o magistrado.
A defesa dos Vedoin e de Ronildo, durante o processo, alegou e requereu encerramento da ação penal e absolvição por ausência de prova suficiente para condenação. Os advogados dos empresários não retornaram contato da reportagem.
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