Um dos principais responsáveis pela criação da Lei da Ficha Limpa, o juiz Marlon Reis criticou ontem a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná de não divulgar os salários de seus funcionários. O juiz, que é coordenador do Movimento de Combate à corrupção Eleitoral, afirmou que "em uma democracia, a informação é o bem jurídico mais importante." Marlon Reis esteve em Curitiba para o lançamento de seu livro "Direito Eleitoral Brasileiro" e para proferir palestra sobre a Lei da Ficha Limpa na seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em conversa com a Gazeta do Povo, ele disse ainda como a aplicação da lei deve modificar vários aspectos da democracia brasileira, em curto e longo prazo, e no que a Justiça Eleitoral ainda pode melhorar no país.
O Tribunal de Justiça do Paraná julgou inconstitucional a divulgação dos nomes de servidores públicos com seus respectivos salários. Como o senhor vê isso?
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral tem uma posição firme pelo acesso geral aos dados públicos. Inclusive apoiou a discussão parlamentar que culminou na aprovação da Lei de Acesso à Informação. Entendemos que toda informação pública é plenamente acessível a qualquer cidadão e só não pode ser acessada se representar perigo para o próprio cidadão. Em uma democracia, a informação é o bem jurídico mais importante.
A Câmara Municipal de Curitiba aprovou a aplicação da Ficha Limpa para os servidores públicos. O que o senhor acha dessa decisão?
Vemos isso com muito bons olhos. Isso apresenta dois impactos positivos: um educacional, pois amplia o debate sobre a importância de pessoas com uma boa vida pregressa para ocupar cargos públicos comissionados; e o outro impacto é prático, impedindo que os cargos públicos sejam usados como guarda-chuva pelos inelegíveis.
Em que a Justiça Eleitoral brasileira ainda precisa melhorar?
Nós temos um sistema eleitoral ruim. Foi idealizado em 1932, quando o Brasil era um país completamente diferente em termos de inclusão social, alfabetização, participação da mulher na vida pública. Era um país essencialmente latifundiário. Estamos com um país completamente diferente em todos os aspectos e o sistema eleitoral ainda é o mesmo, o que não permite uma boa representação.
Quais seriam as mudanças necessárias no curto prazo?
É preciso atacar o financiamento de campanha, que não é transparente. Pelo contrário, hoje é proibido divulgar o nome dos financiadores de campanha durante o pleito, o que é um absurdo, é inconstitucional e ofende a lei de acesso à informação. É preciso baratear as campanhas, dar transparência ao processo de escolha dos candidatos. Falta transparência no sistema de votação. É preciso também incluir a mulher, porque o Brasil tem uma posição vergonhosa no cenário internacional em termos de participação política feminina. E é preciso democratizar os partidos, que estão dominados por caciques, sem o mínimo de democracia interna. É possível fazer isso já, com leis ordinárias, sem mexer na Constituição.
Qual a importância de iniciativas populares para a construção da Justiça Eleitoral, como foi o caso da Ficha Limpa?
Não por acaso, em 1999, uma lei contra compra de votos foi conquistada por iniciativa popular e, se não fosse por essa via, não entraria na pauta do Congresso Nacional. A Lei da Ficha Limpa só foi pautada e aprovada porque foi fruto dessa mobilização imensa. Assim como a reforma política, que o Congresso Nacional não vai aprovar sem mobilização popular. É irracional esperar que os deputados alterem as regras que os levaram a vencer.
Com a aplicação da Lei da Ficha Limpa, a Justiça Eleitoral se preocupa mais com o processo eleitoral do que com o resultado das eleições. Como ocorre essa mudança?
Esse é o maior impacto da lei da Ficha Limpa para o comportamento da Justiça Eleitoral. Ela sempre se ocupou do resultado das eleições e queria saber, por exemplo, se o hábito abusivo de poder econômico ou político teria impacto no resultado do pleito. Mas isso não é o interesse maior da Justiça Eleitoral. Quem deve se preocupar com resultado são os partidos, candidatos e eleitores. A Justiça Eleitoral tem uma preocupação de meio, de assegurar que os candidatos disputem as eleições em condição de igualdade, que não haja abusos nem atos de corrupção.
Em outra ocasião, o senhor afirmou que a Lei da Ficha Limpa não estaria sendo tratada adequadamente pela imprensa e estudiosos. Por quê?
Já houve um despertar para o tratamento da lei, mas vamos demorar alguns anos para compreender seus impactos reais para a democracia. Porque ela não representa apenas as inelegibilidades, mas introduz outras mudanças ainda mais sensíveis. Uma delas é justamente a mudança de foco da Justiça Eleitoral, que tem um impacto institucional com resultados que só serão percebidos ao longo dos anos. Da mesma forma, ela convoca outras instituições, como o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, a fiscalizar o andamento das ações relacionadas à corrupção eleitoral, o que deve acelerar os processos.
Já nas próximas eleições vamos sentir os impactos da Lei da Ficha Limpa? Quais?
Com certeza. Um exemplo é a lista de inelegíveis divulgada pelo Tribunal de Contas da União. Em relação à lista de dois anos atrás, o número praticamente dobrou. Subiu de 3,4 mil para 6 mil inelegíveis, porque o prazo de ineligibilidade a ser considerado subiu de cinco para oito anos. É um dos exemplos, porque a rejeição de contas é só uma das hipóteses de inelegibilidade.
Como a Lei da Ficha Limpa pode mudar o comportamento dos próprios políticos em longo prazo?
Esse é o melhor viés para entender o efeito das inelegibilidades sobre a política. Muitos veem a lei como punitiva e repressiva. E, na verdade, não é a isso que ela se presta. Ela busca estabelecer novos parâmetros de atuação dos administradores e legisladores. Até hoje, a sociedade não dava importância para questões cruciais, como prestação de contas, por exemplo. Agora não, estamos vendo que é importantíssimo.
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