O pacote “Dez Medidas Contra a Corrupção”, do Ministério Público Federal (MPF), tem enfrentado resistência não só de políticos, mas também de juristas na comissão especial que analisa o projeto na Câmara dos Deputados. Apresentada ao Congresso Nacional por meio de uma ação popular, em março, a proposta reuniu mais de dois milhões de assinaturas. Durante audiência pública nesta terça-feira (23), convidados criticaram diversos pontos do texto, como as restrições ao habeas corpus e a possibilidade de provas ilícitas serem aceitas.
O professor de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Gamil Föppel, disse que as pessoas apoiaram a ação popular sem ler. “Essas 2 milhões de pessoas assinaram um cheque em branco. O projeto prevê a flexibilização de garantias fundamentais. O problema é que o que causou isso passa e a flexibilização continua”, declarou.
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Leia a matéria completaPara ele, o projeto é “um engenho muito bem feito para rasgar o processo penal sob o pretexto de combater a corrupção”. “Não se combate a corrupção corrompendo o processo penal”, afirmou o jurista.
Flöppel criticou, entre outros pontos, o aumento de penas para crime de corrupção, a tipificação criminal do enriquecimento ilícito e as limitações para a concessão de habeas corpus. “Se aumento de pena diminuísse crime, nós não teríamos mais crimes hediondos no Brasil. O crime de enriquecimento ilícito para servidor público é desnecessário, já que já existem os crimes de corrupção passiva e peculato. E o habeas corpus é tratado de maneira obscena”, alegou. Ele fez um apelo aos deputados não aprovem as medidas como estão.
Para o juiz Marcelo Semer, que também participa da audiência pública desta terça-feira, as medidas ferem o ordenamento jurídico brasileiro e garantias individuais. Ele considerou que as medidas do MPF fragilizam o habeas corpus e incentivam a produção de provas de maneira ilegal. O juiz criticou ainda a definição das penas de acordo com o tamanho do prejuízo e os limites aos recursos dos réus. Para Semer, a proposta do Ministério Público se ajusta “ao velho lema de que os fins justificam os meios”.
“A proposta tem um viés acusador, cria tipos penais, aumenta alguns outros, abre espaço para uso de provas ilícitas, fragiliza o habeas corpus e parte da premissa errada de que não é possível combater o crime sem ilegalidade”, continuou Semer.
“Criar obstáculos aos embargos infringentes é incabível. Todo o arcabouço legal brasileiro é no sentido de não condenar em caso de dúvida. Os embargos infringentes não chegam a 5% do total. Não há estatística que demonstre que eles atrasam os processos. Aqui simplesmente se restringe direitos.”
Outro convidado, o sociólogo Alberto Carlos de Almeida, avaliou que o projeto não atinge a principal causa da corrupção, que considera ser o processo eleitoral. “(O pacote) enxuga o gelo em vez de impedir que ele derreta. Se a gente não atacar a fonte, que é o problema da legitimidade do sistema político, não vai adiantar nada”, disse. Já Heleno Torres, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), declarou que o pacote também deveria tipificar crimes de corrupção na iniciativa privada.
Na segunda-feira, 22, Roberto Romano, professor de Ética da Unicamp, já havia defendido mudanças no pacote. Romano criticou o artigo que prevê compensação a quem contribuir para obter provas ou ajudar a encontrar bens em ação penal.
Ele sugeriu prudência no uso de recursos, por temer que “sistemas punitivos se tornem autoritários”. No mesmo dia, o advogado Augusto Botelho reprovou “os dispositivos que tratam dos recursos judiciais e das nulidades penais”. Para ele, o MP propõe “um Código de Processo Penal altamente voltado ao interesse da acusação”.
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