A juíza Renata Mota Maciel Madeira Dezem, da 2ª Vara de Registros Públicos da Capital, determinou, em sentença proferida na segunda-feira (16), a retificação da causa morte do estudante Alexandre Vannucchi Leme, primo do ex-ministro Paulo Vannuchi, eleito em junho deste ano membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Conhecido por "Minhoca", Leme foi preso aos 22 anos, em 16 de março de 1973, junto com o colega de Universidade de São Paulo (USP) Adriano Diogo, atual deputado estadual e presidente da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), pelo DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna). Leme - morto um dia depois - e Diogo, além de líderes estudantis, participavam da Ação Libertadora Nacional (ALN).
No atestado de óbito, até então, a causa mortis do primeiro era "lesão traumática crânio-encefálica" causada por um suposto atropelamento. Com a alteração, a morte decorreu de lesões provocadas por tortura e maus tratos sofridos nas dependências do DOI-Codi.
O expediente de retificação foi instaurado pela Comissão Nacional da Verdade por solicitação dos cinco irmãos da vítima. O ofício encaminhado à Justiça de São Paulo, datado de 8 de outubro deste ano, foi assinado pelo ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, integrante da Comissão. O texto pede, ainda, que o local da morte seja alterado para "dependências do II Exército, restabelecendo-se assim, a verdade histórica dos fatos, com a preservação do direito à memória". Segundo a Comissão, foram apresentadas duas versões oficiais à época para a morte. A primeira, de que Leme teria sido atropelado por um caminhão na Avenida Celso García, Zona Leste de São Paulo. A outra dava conta de que ele teria se jogado contra o caminhão, num ato suicida.
No dia da morte do colega, 17 de março, o hoje deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP) disse ter ouvido do então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi o abordou logo após a morte de Leme dizendo: "Acabei de matar o seu amigo Minhoca. Acabei de mandar o Minhoca para a 'Vanguarda Popular Celestial'!".
"Fui preso em casa, só de cuecas. Fui levado de capuz para a OBAN (Operação Bandeirante), onde passei por um corredor polonês e levei pancadas por todo lado. Na porta da sala de operações, o carcereiro me mostrou um homem alto. "Sabe quem é ele? É o comandante, o major Brilhante Ustra e hoje ele está louco". Ustra me xingou e falou que tinha matado o Minhoca. Me batia e fazia perguntas. Disse que ia me matar com uma pistola Magnum 45. Perguntou se eu preferia o pau de arara ou a cadeira do dragão (instrumentos de tortura). Ele usou os dois: fiquei sob tortura das duas da tarde até as quatro e meia da manhã", contou Diogo ao GLOBO, em maio deste ano.
Alexandre Vannucchi Leme foi enterrado como indigente no Cemitério de Perus, Zona Norte de São Paulo, "apesar de ser pessoa plenamente identificada, inclusive no laudo necroscópico, e que era procurada pelos pais quatro dias antes da publicação da nota oficial de sua morte", diz o ofício da Comissão Nacional da Verdade enviado à Justiça.
O líder estudantil, ainda segundo o texto, "foi enterrado sem caixão e com cal espalhada na terra, para acelerar a decomposição do corpo e com isso apagar as marcas da tortura". Os parentes deles só conseguiram resgatar os restos mortais do estudante em 1983.
Treze dias depois da morte do estudante, o então cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, celebrou uma missa na Catedral da Sé que contou com a presença de cerca de 5 mil pessoas, entre elas o cantor Sérgio Ricardo cantando "Calabouço". Tanto a região da catedral quanto a da Cidade Universitária foram cercadas por forças militares na tentativa de impedir que as pessoas comparecessem ao ato religioso.
Estudante de Geologia quando morto, Alexandre Vannucchi Leme dá nome ao Diretório Central dos Estudantes Livre da Universidade de São Paulo (DCE-Livre da USP).
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