• Carregando...
 |
| Foto:

STF já decidiu sobre conflito semelhante

Bem antes do processo de Joaquim Barbosa contra Ricardo Noblat, o STF julgou um caso que envolvia liberdade de expressão e racismo e decidiu que a ofensa à dignidade da pessoa humana era o limite. Em 2003, mesmo ano em que Barbosa ingressou na corte – ele, porém, não votou no processo citado –, o editor gaúcho de livros Siegfried Ellwanger teve seu pedido de habeas corpus (HC 82424) negado pelo tribunal. Ele publicou livros questionando a existência do holocausto, com conteúdo antissemita. O STF manteve a pena, imposta pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de dois anos de prisão, convertidos em prestação de serviços comunitários.

Um dos argumentos da defesa era justamente a liberdade de expressão, mas a maioria dos ministros rechaçou a ideia de que o racismo poderia ser propagado sem qualquer medida punitiva. O ministro Celso de Mello, por exemplo, argumentou que "só existe uma raça: a espécie humana" e acrescentou: "Aquele que ofende a dignidade de qualquer ser humano, especialmente quando movido por razões de cunho racista, ofende a dignidade de todos e de cada um".

O jurista Christiano Jorge Santos considera essa uma decisão emblemática e ressalta que a previsão constitucional do direito à liberdade de expressão não é absoluta nem superior ao direito à igualdade. "No conflito entre esses valores constitucionais prevalece a punição ao racismo", diz Santos.

A liberdade de expressão é um requisito básico para o exercício do jornalismo e para a manifestação de opinião na imprensa. É comum, contudo, que se questionem os limites desse direito quando a dignidade da pessoa humana – fundamento da República brasileira previsto no artigo 1.º da Constituição Federal – de alguém é colocada em questão.

Essa polêmica voltou à tona quando, em 2013, o jornalista Ricardo Noblat publicou um texto em seu blog em que questionava a atuação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa no processo do mensalão. Entre os argumentos, Noblat disse que Barbosa só teria sido escolhido para o cargo por ser negro.

Por meio da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, o Ministério Público Federal apresentou no mês passado uma denúncia contra Noblat (veja trecho ao lado), que, segundo a qual, teria publicado no artigo "Joaquim Barbosa fora do eixo" conteúdo racista e que feriria a honra do ministro. Na representação enviada ao Procurador Geral da República, o ministro Joaquim Barbosa argumentou que o jornalista "valeu-se do generoso espaço que lhe foi aberto por um grande veículo de comunicação para difundir ideias segregacionistas" – o blog está hospedado no site do jornal O Globo.

Ao analisar o caso sob a perspectiva da liberdade de expressão, o advogado e professor de direito civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Xavier Leonardo observa que, por se tratar de uma pessoa que ocupa um cargo público e tão singular, como a presidência do STF, é natural que o ministro Joaquim Barbosa receba críticas contundentes. Por outro lado, mesmo sendo a livre expressão do pensamento um princípio tão importante para o ordenamento jurídico, há alguns limites que precisam ser observados, e um deles é a prática do racismo.

No texto publicado no blog, Noblat afirma: "Há negros que padecem do complexo de inferioridade. Outros assumem uma postura radicalmente oposta para enfrentar a discriminação". Para Leonardo, esse tipo de afirmação "é um evidente excesso e não o exercício da liberdade de expressão".

O professor de direito penal da PUC de São Paulo e autor da obra "Crimes de Preconceito e de Discriminação", Christiano Jorge Santos, explica que todo direito constitucional enfrenta limitações e, na opinião dele, a principal é o super princípio da dignidade da pessoa humana. Questionado sobre como evitar a divulgação de conteúdo racista, Santos argumenta: "Eu não defendo que deva haver censura. A pessoa quer fazer uma manifestação, que faça, mas vai arcar com as consequências".

Por e-mail, Ricardo Noblat disse que não pode falar sobre o assunto porque ainda não foi notificado pela Justiça. A assessoria de imprensa do STF disse que o ministro Joaquim Barbosa não está falando sobre o processo.

Qual o tipo penal?

A denúncia feita contra o jornalista Ricardo Noblat apresenta algumas condutas tipificadas pelo Código Penal que ele teria praticado, como difamação (art. 139, com pena de detenção de três meses a um ano e multa.), injúria racial (art.140, §3.º, com pena de reclusão de um a três anos e multa), majoradas em um terço por terem sido praticadas contra funcionário público, em razão de suas funções e em meio que facilite a divulgação (art. 141, II e III). A Constituição Federal prevê que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível, e a conduta está tipificada na Lei 7.716/1989, que define crimes de preconceito de raça ou cor. A petição afirma, ainda, que Noblat teria cometido prática ou indução de discriminação por intermédio dos meios de comunicação, conforme a lei (art. 20, § 2.º, com reclusão de um a três anos e multa).

O professor de direito penal da UniBrasil Rodrigo Faucz explica que dificilmente um réu primário é condenado a regime fechado por cometer crime de racismo. Isso porque geralmente as penas de até quatro anos de reclusão são convertidas em alternativas, as chamadas penas restritivas de direito, como, por exemplo, a prestação de serviços à comunidade.

O Brasil é um dos países em que o racismo é punido na lei da maneira mais rigorosa, segundo o professor de direito penal da PUCSP Christiano Jorge Santos. Mas ele também mostra que há uma contradição, pois, apesar de o arcabouço legal ser bastante rigoroso, há poucas condenações. Especialista em crimes de racismo, ele atribuiu isso ao baixo índice de apuração e ao desconhecimento das vítimas, que muitas vezes nem sabem que há leis para protegê-las.

Dê sua opinião

Quais os limites para a liberdade de expressão?Deixe seu comentário abaixo e participe do debate.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]