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Empresários sofrem com a burocracia

Os especialistas consultados pela reportagem são unânimes em apontar que a burocracia é o grande desafio enfrentado pelos empresários brasileiros hoje. Para eles, um novo Código Comercial ou mesmo uma alteração esparsa na legislação não é capaz, sozinha, de modificar essa realidade. "A burocracia vem da voracidade do Estado em arrecadar, o que acaba trazendo exigências que causam um efeito inverso", aponta o advogado especialista em direito comercial Carlos Alberto Farracha.

"A desburocratização não necessariamente está atrelada a um código, nem ao Código Civil nem a um suposto novo Código Comercial, porque muitas dessas questões estão estabelecidas pelas administrações dos estados, da União e dos municípios", aponta o advogado especialista em direito comercial Neudi Fernandes.

O especialista cita como exemplo a simples mudança de endereço de uma empresa que pode demorar de 30 a 40 dias para ser formalizada, isso se não houver nenhum problema de percurso. "Esses aspectos de vida prática precisam de atenção especial", diz.

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Nova codificação

Agronegócio e direito marítimo serão incluídos na mesma lei

As comissões que discutem o novo Código Comercial no Congresso pretendem incluir duas matérias específicas na legislação: direito marítimo e agronegócio. O primeiro é regido pelo código de 1850, quando o país ainda vivia o Império. "É uma modalidade econômica relevante para o Brasil", aponta o deputado Vicente Cândido.

Já a ideia de se instituir legislação especial sobre o agronegócio veio de uma necessidade enfrentada no dia a dia pelos empresários desse ramo no Brasil, segundo afirma o deputado. Mas, para os especialistas, não há necessidade de se instituir uma legislação específica sobre esse aspecto. "Quando houver dificuldades, é necessária uma interpretação do Judiciário ou se discutir e alterar a legislação própria, não instituir um novo código", diz o advogado especialista em direito comercial Neudi Fernandes.

Para o também advogado especialista em direito comercial Fábio Carneiro Cunha, o excesso de regulamentação nessa área pode ter um efeito inverso e gerar mais problemas aos produtores. "Deve haver um melhor regramento sobre as possibilidades de financiamento pelo produtor, mas o problema do campo hoje diz respeito à regulamentação tributária não comercial. Essas relações já estão bem delineadas", avalia.

Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que pretende instituir um novo código comercial para o Brasil. A matéria, que é alvo de polêmicas entre especialistas, está em fase de discussões em audiências públicas e, segundo seu autor, o deputado Vicente Cândido (PT-SP), deve ser enviada ao plenário da Casa no primeiro semestre de 2014. Confira aqui as principais propostas do projeto.

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Para o deputado, as leis que versam sobre o tema estão ultrapassadas e não condizem com a representação da economia brasileira no mundo, e o novo código deve facilitar a vida do empresário com uma legislação compacta. Hoje, o direito empresarial territorial é regrado pelo Código Civil, e o país ainda segue as regras do Código Comercial de 1850 no que tange ao direito marítimo.

"É inadequado o Código Civil reger o direito de empresas, essa parte está muito burocratizada, com um pouco de esquizofrenia, é melhor organizar e inserir outras matérias em um novo código", avalia Cândido. Porém, os especialistas consultados pela reportagem acreditam que as atualizações na legislação devem se dar no Código Civil, por leis esparsas, ou mesmo por novas interpretações do Judiciário.

Controvérsias

Em entrevista ao Justiça & Direito no último mês, o advogado e doutor em Direito Comercial Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França afirma que a simples edição de um novo código é uma "ideia totalmente anacrônica" e vai trazer insegurança jurídica aos empresários. Ele cita como exemplo a previsão, no projeto, de o Ministério Público requerer a anulação de contratos e negócios jurídicos provando o descumprimento da função social. "Mas a função social é um conceito indeterminado e de conteúdo totalmente controverso", analisa.

O advogado especialista em direito comercial Neudi Fernandes acredita que o direito comercial do Código Civil ainda está sendo interpretado pelos tribunais e que a edição de um novo código seria "voltar à estaca zero". Mesmo assim, ele aponta como ponto positivo a atualização da legislação que trata do comércio eletrônico. "As relações comerciais mudaram muito com o advento e aperfeiçoamento do comércio eletrônico, com os processos eletrônicos, não somente judiciais, mas também nas instâncias administrativas", diz.

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O também advogado especialista em direito comercial Carlos Alberto Farracha concorda com Fernandes e acrescenta ao comércio eletrônico a necessidade de atualização do regramento das sociedades limitadas, também prevista no projeto da Câmara. "A origem dessas regras no Código Civil é do código italiano de 1942, então realmente estão desatualizadas. As omissões, por exemplo, são dirimidas por sociedades simples, que é de natureza intelectual", explica.

Senado também discute o tema

Além do projeto em trâmite na Câmara dos Deputados, o presidente do Senado Renan Calheiros instituiu em junho uma comissão de juristas para elaborar um anteprojeto de Código Comercial na Casa. O grupo é composto de 19 juristas e tem 180 dias contados da data inicial para concluir os trabalhos. O ministro do Superior Tribunal de Justiça João Otávio Noronha é o presidente, e o professor de direito comercial Fábio Ulhoa Coelho é o relator da comissão.

Para Calheiros, a tramitação simultânea dos projetos permite um melhor planejamento de etapas e pode aprofundar o debate sobre o tema. Já para o deputado Vicente Cândido, autor da proposta da Câmara, é desnecessário que o direito comercial seja tema de projetos nas duas Casas. "Até porque os mesmos juristas que estão elaborando o anteprojeto do Senado também participaram de discussões aqui na Câmara", diz.

O vice-presidente da comissão instituída no Senado é o advogado curitibano Alfredo de Assis Gonçalves Neto. Para ele, não havia a necessidade de se separar o tema em uma nova codificação. Mesmo assim, ele acredita que a atual legislação está defasada. "Há necessidade de se fazer uma alteração para que a legislação se adeque às disposições do código atual e à realidade econômica do país", disse em uma entrevista concedida ao Justiça & Direito no começo de julho.

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Gonçalves Neto aponta que os grandes desafios a serem enfrentados pela comissão dizem respeito à unificação da matéria societária e às normas que versam sobre as sociedades limitadas, que, para ele, estão desatualizadas. "Deveria, primeiramente, haver uma modificação dos tipos societários e regras específicas sobre a sociedade limitada retratando a realidade do mercado", analisa.