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 | Henry Milléo / Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milléo / Gazeta do Povo

Ficha técnica

Currículo: Doutor pela Universidad Complutense de Madrid, com a tese "El Derecho de huelga em los servicios essenciales de la comunidade". Catedrático da Universidad de Castilla-La Mancha (Professor de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social), Diretor do Centro Europeo y Latinoamericano para el Diálogo Social (CELDS), Instituto Universitário da UCLM e da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de la UCLM. Pertence a Conselhos Editoriais de numerosas revistas, europeias e latino-americanas. Autor de livros, artigos e capítulos de livros.

A crise de 2008 alterou a realidade econômica dos países europeus, especialmente no sul do continente. Esse novo contexto trouxe à tona a predominância da mentalidade neoliberal, segundo o jurista espanhol Antonio Baylos. Ele esteve em Curitiba para uma palestra no programa de mestrado da UniBrasil e, em entrevista ao Justiça & Direito, falou como essa nova realidade e a crise do Estado de bem-estar social estão influenciando nas relações de trabalho. Para Baylos, está havendo uma crise de representação, não só dos sindicatos, mas de diversas instituições. Por outro lado, ele considera que, diante dos desafios econômicos e políticos, surgem na sociedade novas maneiras de as pessoas se organizarem.

Como a crise de 2008 mudou as relações de trabalho no mundo?

O que caracteriza a crise de 2008 é que os países mais afetados foram os mais desenvolvidos. Deixo de lado os EUA, que é um caso muito especial pelas tentativas de construir uma nova lei de convenções coletivas. Mas há um efeito muito negativo, não da crise de 2008, mas de uma quebra do Estado de direito. Tem havido uma maneira de transformar o modelo social europeu na base de compromissos financeiros dos países endividados, que estão no sul da Europa, na Irlanda e no Leste Europeu. Então, esses países que enfrentavam um sobre-endividamento receberam dinheiro do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia em troca de reformar o sistema econômico e financeiro. Em troca de, fundamentalmente, reformar o sistema laboral e social. Mas eles estão dando um golpe. O que se está fazendo é voltar para trás, rompendo o pacto social, as constituições, deixando as constituições vulneráveis e deixando vulnerável a própria carta de direitos fundamentais da União Europeia, que reconhece os direitos sociais.

De que forma isso está acontecendo?

O que se está fazendo primeiro é um processo de empobrecimento, de redução salarial. Segundo: a privatização dos serviços públicos. E terceiro: um atentado contra o coletivo, fortalecendo o poder empresarial. Esse é o panorama, que tem uma forte resistência. Não é só um problema espanhol ou português, é um problema italiano, grego. Também é uma deslegitimação política, porque aqueles que estão questionando essa situação de crise são tanto da direita, quanto da esquerda. Há uma crise de projeto, não há uma projeto social-democrata. Falam da necessidade de uma virada de democracia expansiva. Agora estamos em um momento interessante, apesar de crítico.

Quem são os sujeitos que podem lutar por esses direitos?

Trabalhadores e trabalhadoras. Mas quem são as figuras representativas deles? Hoje ainda há sindicatos muito importantes. Mas esse movimento, principalmente na Espanha, criou um movimento que reúne todos os movimentos sociais, associações de bairro... São o que chamamos de marés, em alusão ao mar. Estamos com essa ideia de maré, que são instrumentos de mobilização e são representadas por cores. A maré verde, por exemplo, é a de educação; a maré branca é a da segurança. É um esforço formal, mas também das organizações fragmentadas, do bairro tal, dos pacientes, dos médicos. É uma movimentação que tem a ver com o 15M, que tem a ver com os procedimentos de movimentação que foram sendo testados na Espanha, com os indignados, na França, ter uma representação através da manifestação nas ruas.

Há críticas de que os sindicatos não representam os trabalhadores, há uma ruptura...

Há uma crise de representação, não só dos sindicatos. É evidente que a figura de representação é difícil de entender. Mas no caso espanhol e no caso italiano essa crise é mais uma pretensão do que uma realidade. Nós estamos tendo eleições nos sindicatos, e no sistema espanhol os trabalhadores de cada uma das empresas têm de escolher os seus representantes. Estão votando no grande sindicato. O problema é que os sindicatos não têm filiação, nós temos uma filiação baixa, em torno de 20%. É evidente que é uma crise de representação pelas transformações dos modos de produção. Não é o mesmo representar os trabalhadores da Volkswagen, que têm uma série de plantas e de fábricas que representar os trabalhadores de tantas e tantas lojas de um aeroporto, por exemplo, que têm uma ou duas pessoas trabalhando em cada uma. Creio que no caso espanhol, no português e no italiano, o sindicato tem sido um elemento básico na movimentação. Sem o sindicato não teriam se articulado as marés.

O senhor tem escrito sobre imigração. Como essa questão muda as relações laborais na Espanha?

Na Espanha, a imigração pensa que nós somos um país de imigrantes e que durante muito tempo nós espanhóis temos emigrado aos países estrangeiros. Esse é um tema que não se esquece, que foi preciso emigrar, ir de lugar a lugar, por causa da fome. É uma história diferente de, por exemplo, da França e da Alemanha, que normalmente só tiveram imigração. Além disso, tivemos duas imigrações distintas, não é o mesmo a imigração do Magrebe [países do Norte da África] e a imigração latino-americana. A imigração do Magrebe é de agricultura e de construção. A imigração latinoamericana é fundamentalmente uma imigração de trabalho de cuidados de crianças e de idosos. Então, nas relações laborais, não há havido uma sensação de que o mercado de trabalho está dividido entre nacionais e imigrantes. Quando a economia estava bem, havia mais imigração. Quando a economia se retraiu, todos sofreram, mas os primeiros a sentir as consequências foram os imigrantes.

Como a subcontratação e a terceirização afetam o mundo do trabalho?

Veja, esse é um dos grandes tumores no mundo do trabalho. E a capacidade de romper, fragmentar a responsabilidade é outro. É preciso reconstruir esse empresário. Não há três empresários numa terceirização, há um só. O que ocorre é que a responsabilidade está fragmentada, e os trabalhadores vão cobrando cada vez menos no seus salários. Mas como reconstruir? Nos tribunais e na doutrina temos entendido que para reconstruir há uma responsabilidade solidária para que se possa demandar do empresário que contrata. Uma matéria importante é a matéria de greve. Em uma greve de funcionários de uma concessionária por melhores salários, a empresa principal rescinde o contrato. Quem é vulnerável ao direito de greve? As duas, e têm que responder. Portanto, respondendo, a terceirização é uma forma de evitar as responsabilidades básicas sobre os direitos trabalhistas. Precisamos uma vez mais rever esse fenômeno na lógica da proteção e da cultura dos direitos.

O senhor acha que as pessoas entendem o direito de greve?

Digamos que a narrativa dominante é a narrativa neoliberal. O senso comum dominante é o neoliberal, que é extremamente hostil. A greve é muito bem compreendida pelos trabalhadores, o problema é que eles vivem envolvidos pelos cidadãos, muitos dos quais são trabalhadores. Então é preciso apresentar a greve como uma questão que não é somente corporativa, e isso passa pela construção social desse fenômeno. A construção social é feita pelo meios de comunicação, que estão nas mãos do grandes poderes dos grades grupos econômicos. Não sei no Brasil, mas me parece que também. A greve dos trabalhadores que recolhem lixo em Madri deixou a cidade toda, durante 13 dias, sem coleta, mesmo assim a população esteve ao lado dos grevistas, porque entendia que a atitude de baixar salários e demitir era uma forma de exploração. Eu vivo no centro de Madri, de certa classe média e todos estavam de acordo e respeitavam o movimento. O movimento sindical conseguiu romper o ciclo de preconceito que muitas vezes se instala.

Aqui no Brasil temos uma justiça especializada para o direito do trabalho. Esse é o melhor modelo?

Na Espanha também temos uma justiça especializada. É preciso haver uma ordem jurisdicional especializada ou uma forma especial de dirimir os conflitos trabalhistas. Se há uma jurisdição com cortes trabalhistas ou não isso não me parece importante. O que importa é que haja uma ordem jurisdicional social que garanta o acesso à Justiça e a celeridade. São elementos que dependem muito do que cada ordenamento jurídico tem como prática.

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