O ramo imobiliário no Brasil tem passado, nos últimos anos, por uma verdadeira revolução. As vendas superaram, em muito, as expectativas dos mais otimistas. Mais imóveis sendo negociados representam, logicamente, mais contratos de compra e venda, e com eles os possíveis vícios, classificados pela doutrina como defeitos dos negócios jurídicos imobiliários.
Não se está aqui falando dos defeitos de redação dos contratos, ou de cláusulas que podem ser revisadas, mas, sim, dos vícios de consentimento, aqueles que são capazes de anular, via declaração judicial, os contratos de compra e venda em sua íntegra.
Os artigos 138 a 165 do Código Civil tratam da possibilidade da anulação do negócio quando a vontade de uma das partes esteja viciada por erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo e fraude contra credores.
O que mais nos interessa no momento é a lesão, vício de vontade que contamina o contrato e cuja previsão legal consta do artigo 157 do Código Civil, nos seguintes termos:
"Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico."
Assim, nos contratos de compra e venda de imóveis, quando uma das partes comprovar judicialmente que efetuou uma venda sob condições financeiras anormais ou por desconhecer efetivamente o valor real do bem, e ainda, que tal valor caracteriza-se como desproporcional, poderá obter a declaração de anulabilidade do contrato, mesmo que já lavrada a escritura pública.
Entretanto, a legislação não estabelece os limites dessa desproporção, cabendo ao juiz decidir se o valor de venda/compra está ou não em descompasso com a razoabilidade.
A questão levantada é exatamente esta: quando um contrato de compra e venda de imóvel, pelo valor negociado, pode ser objeto de anulabilidade.
O doutrinador Luiz Antonio Scavone Júnior sugere a utilização, por analogia, do critério de 20% do artigo 4º da Lei nº 1.521/1951, que estabelece ser crime a usura pecuniária ou real aquela que estipule, "em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida".
O Superior Tribunal de Justiça comunga desse entendimento, aplicando, em alguns julgados, a Lei da Usura (nº 1.521/1951), e considera anuláveis contratos de compra e venda de imóveis onde fica caracterizado um considerável prejuízo a uma das partes em razão do preço do negócio estar muito além ou aquém do valor médio de mercado. O referido tribunal também leva em considera ontrato foi firmado e o conhecimento (ou falta dele) dos contratantes sobre o mercado imobiliário.
O Tribunal de Justiça do Paraná, no entanto, em diversos julgados manifestou entendimento de que não é possível, em razão do valor ajustado de forma clara e objetiva no contrato, reduzir o montante do negócio ou declará-lo anulável. Nas decisões encontradas na corte estadual, embora tratem da relativização da pacta sunt servanda, aplicação do princípio da boa-fé e do equilíbrio contratual que impõe o reconhecimento da abusividade de cláusulas contratuais, prevalece o argumento de que não se pode afastar o princípio da autononia da vontade nas relações que determinam o preço do que se está comprando ou vendendo.
Entendemos que o Poder Judiciário, quando enfrenta questões dessa natureza, deve sempre analisar todos os elementos objetivos e subjetivos do caso concreto, inclusive buscando detalhar, se possível, os motivos da venda e/ou da compra, eventual destinação do bem adquirido, as condições financeiras e psicológicas das partes no momento do negócio e é claro, a desproporção do valor do imóvel vendido/comprado se comparado com outros nas mesmas condições e região.
Roberto Siquinel, advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUCPR e pós-graduando em Direito Imobiliário pela Universidade Positivo.
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