A adoção pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) da Convenção 189, sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, em 16 de junho de 2011, certamente trará mudanças significativas nas relações de trabalho doméstico no Brasil, marcadas por profundas desigualdades que a ordem jurídica ainda não foi capaz de alterar.

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Segundo estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em maio de 2011 (comunicado 90), em 2009 o Brasil tinha cerca de 7,2 milhões de trabalhadores domésticos (homens e mulheres), representando 7,8% do total de trabalhadores do país, dos quais 93% eram mulheres e, destas, 61,6%, negras. O mesmo estudo indica que 26,3% das trabalhadoras domésticas tinham contratos formalizados – o índice de formalização nos demais setores era de 69,9%. Isso revela, de um lado, a situação de desproteção jurídica da categoria, com desrespeito a direitos trabalhistas básicos e, de outro, a importância do trabalho doméstico na sociedade brasileira.

O legislador brasileiro não se mostrou sensível aos direitos do trabalhador doméstico, ao menos até a Constituição de 1988. A primeira lei ordinária que regulou a matéria foi a Lei 5.859, de 11.12.1972, e garantiu apenas o direito ao registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), a inclusão como segurado na Previdência Social e férias de vinte dias, direitos inferiores aos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) desde 1943.

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O grande salto na proteção jurídica dos domésticos veio com a Constituição de 1988, que no parágrafo único do artigo 7º estendeu a eles os seguintes direitos: salário mínimo, irredutibilidade salarial, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias anuais remuneradas acrescidas do terço, licença à gestante de cento e vinte dias, licença paternidade, aviso prévio e aposentadoria. O direito ao descanso em feriados e dias santificados e a garantia de emprego à gestante vieram com a Lei 11.324/06.

A inscrição no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não é obrigatória para a categoria e o seguro desemprego só é devido ao trabalhador doméstico inscrito no FGTS – ainda assim o benefício é limitado a um salário mínimo e pelo prazo de três meses. O trabalhador doméstico não tem direito ao pagamento de horas extras, adicional noturno, adicionais de insalubridade e periculosidade e salário família, em evidente tratamento discriminatório de parcela relevante da população ocupada, o que revela uma das faces da desigualdade social e econômica brasileira, que atinge principalmente a mulher trabalhadora. É nesse contexto que a Convenção 189 da OIT passará a integrar o ordenamento jurídico brasileiro. Alguns dos direitos tutelados pela Convenção 189 já estão garantidos pela legislação nacional.

Entre os direitos não assegurados pela legislação destacam-se a limitação da duração do trabalho a 8 horas diárias e 44 horas semanais, equiparando-se às demais categorias, com possibilidade de pagamento e compensação de horas extras, garantia de intervalos diários e semanais, redução da hora noturna e pagamento de adicional noturno. Os domésticos passam também a ter direito à organização sindical e à celebração de acordos e convenções coletivas, importante meio de articulação por melhores condições de trabalho. A Convenção contém normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador, com possibilidade de pagamento de adicionais de insalubridade e periculosidade, o que demandará trabalho legislativo e superação de resistências culturais. A Convenção se ocupou também de estabelecer normas para o trabalhador doméstico migrante, realidade que já começa a mostrar sua face perversa no país.

A Convenção 189 ainda não foi ratificada pelo Brasil, mas assim que isto acontecer, ela deverá ser incorporada no ordenamento nacional com status de emenda constitucional, segundo entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo então de observância obrigatória.

Ainda que a alteração legislativa decorrente da internalização da Convenção 189 não seja suficiente para afastar as desigualdades históricas e garantir a efetividade dos direitos, o tratado constitui importante passo na luta por reconhecimento de direitos dos trabalhadores domésticos na busca da vida digna preconizada pela Constituição de 1988.

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É necessário ressaltar que a desproteção social e jurídica do trabalhador doméstico não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Daí o papel relevante que assume a OIT nas Agendas para o Trabalho Decente, que colocam a dignidade da pessoa humana como tema central na garantia de direitos humanos e direitos trabalhistas fundamentais aos trabalhadores domésticos.

Abre-se para o Brasil uma oportunidade histórica de resgate dos direitos do trabalhador doméstico que, dado o contingente de mulheres trabalhadoras, assume também o significado de afirmação de igualdade de gênero.

Nancy Mahra de Medeiros Nicolas Oliveira, mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR e juíza do Trabalho em Foz do Iguaçu.