Quem incursionar no texto da nossa Constituição Federal verá, logo nas primeiras linhas, que o pluralismo político é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a confirmar a nova ordem estabelecida em favor das liberdades no campo político e dos direitos e garantias individuais e coletivas. É também exaltado na assentada liberdade de "criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos" prevista no artigo 17, que estabelece, ainda, obrigação para que os respectivos estatutos contenham "normas de disciplina e fidelidade partidária."

CARREGANDO :)

A partir da promulgação da nossa Lei Fundamental, o Brasil consolidou um modelo partidário plural, com franca liberdade para a evolução do nosso sistema político, que é algo desejável e necessário, sobretudo nestes tempos de rápidas transformações. Com efeito, a evolução econômica do país impõe o enfrentamento urgente de desafios estruturais, além da atenção essencial com a situação de outros países em crise ou emergentes e, ainda, a questão ambiental, em confronto com as exigências do homem moderno.

Isto posto, interessa aqui abordar o recente reconhecimento da fidelidade partidária como princípio constitucional, não apenas na concepção de que os mandatos políticos pertencem aos partidos, mas, sobretudo, o alto significado das relações entre o mandatário eleito e o cidadão que o escolhe, ou seja, tudo que deve ser compreendido na outorga do eleitor àqueles escolhidos individualmente como legítimos representantes políticos nas atividades do Legislativo ou do Executivo.

Publicidade

Cumpre salientar que a fidelidade partidária – assentada pelo Tribunal Superior Eleitoral e chancelada pelo Supremo Tribunal Federal – é algo bastante mais significativo que a simples preservação do patrimônio político das agremiações que contribuem com a eleição dos detentores de mandato. A fidelidade partidária é, acima de tudo, a necessária preservação do princípio da representatividade democrática, já que "todo poder emana do povo."

Portanto, não é salutar para o sistema democrático-representativo utilizar a fidelidade partidária como argumento para dificultar ou impedir expressivos movimentos de evolução política, quais sejam, a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos, cabendo incluir, ademais, outras hipóteses de desfiliação acobertadas pela justa causa, devidamente consignadas na Resolução-TSE nº 22.610/2007, a saber: (i) "mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário"; e (ii) a "grave discriminação pessoal".

Com efeito, quando o cidadão elege seu representante e este se envolve em evento de criação, fusão ou incorporação de partidos, essa opção deve ser considerada como inserida na sua outorga política, sob pena de afronta direta ao postulado constitucional da soberania popular, que jamais pode ser subvertido sob qualquer justificativa.

Não parece correto ou coerente imaginar que a Constituição prestigie o pluralismo político, disponha sobre a liberdade de constituição de nova legenda, seja lícito a migração de detentores de mandato nas hipóteses de justa causa, e disso resulte obstáculo para a fruição plena do exercício do mandato, como também as condições de existência e atuação dos partidos políticos.

Conforme lucidamente asseverado pela eminente ministra Cármen Lúcia, quando do julgamento das ADIs 1.351 e 1.254, "o Estado não é democrático quando eu voto, e o meu eleito já entra sabendo não poder ter a participação que eu queria que ele tivesse". Mutatis mutandis, essencial para a salutar evolução do sistema político que não se imponha restrições de qualquer ordem aos eventos acobertados pelo fundamento constitucional do pluralismo político, posto que em jogo o próprio regime democrático.

Publicidade

No caso da distribuição do fundo partidário e do acesso proporcional ao tempo de rádio e televisão – conforme previsto na Carta Magna –, impróprio limitar tais direitos aos partidos recentemente constituídos ao argumento de que a lei ordinária é expressa em conceder-lhes apenas às agremiações que passaram pelo crivo de eleições anteriores.

Com o devido respeito aos que assim entendem, a preservação do sistema representativo e do pluralismo político – ambos de matriz constitucional – somente ocorrerá mediante interpretação sistêmica dessas normas à luz dos fundamentos e princípios que regem o Estado Democrático de Direito, sobretudo quando cediço que essas leis restritivas foram e são produzidas com o peso de certa maioria já eleita, e que assim atua de forma conveniente, e naturalmente interessada em preservar o sistema que lhe foi mais favorável.

Admar Gonzaga, advogado, especialista em Direito Eleitoral.