"Agora que temos mais direito de consumir, queremos consumir com mais direitos" com este enfoque em 15 de março de 2013, Dia Nacional do Consumidor, a presidente Dilma Rousseff discursou a favor do Plano Nacional de Consumo e Cidadania, o qual tem dentre seus escopos a aprovação do Projeto de Lei n.º 5196/2013, que reúne novas medidas de proteção ao consumidor, e, em especial, a implantação de maiores poderes e autonomia aos Procons.
A exemplo de maiores poderes, deparamo-nos com o acréscimo do capítulo VIII, no Título I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o qual, se aprovado, abrangerá as sanções administrativas antes taxativamente enunciadas no artigo 58 do mesmo codex. O referido dispositivo relaciona as penas passíveis de aplicação pela administração pública quando da ofensa por fornecedores e prestadores de serviços aos direitos do consumidor, sendo elas: "apreensão, inutilização de produtos, proibição de fabricação de produtos, suspensão do fornecimento de produto ou serviço, cassação do registro do produto e revogação da concessão ou permissão de uso".
Depreende-se que as mencionadas penas passíveis de aplicação pela administração, leia-se, Procon, eram limitadas a medidas coercitivas e com fins pedagógicos. Ocorre que, com o possível acréscimo do artigo 60 A, no capítulo VIII do CDC, esse cenário mudará radicalmente. Estaremos diante de um Procon com poderes para penalizar os fornecedores e prestadores de serviço com as hipóteses elencadas no artigo 18, § 1º do CDC substituição do produto, devolução do valor pago ou abatimento proporcional do preço dispositivo este, que até então era possível de aplicação exclusivamente pelo Poder Judiciário, ante o seu inerente poder jurisdicional.
Com isso, sanções que eram de competência exclusiva do Poder Judiciário, com as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa respeitadas, passam a ser aplicadas por órgãos administrativos do Poder Executivo. A principal finalidade da implantação dessa nova medida é, conforme as palavras da nova secretária nacional do Consumidor, Juliana Pereira, "a diminuição dos conflitos no Judiciário e o estímulo para o mercado melhorar o serviço ao consumidor". Todavia, salvo melhor juízo, o projeto de lei está em manifesto confronto com a Constituição Federal. Isso, porque o poder jurisdicional, atribuído exclusivamente ao Poder Judiciário pela Constituição Federal, passará a ser aplicado também pelo órgão do Poder Executivo, causando, assim, notória ofensa ao princípio constitucional, assegurado pela cláusula pétrea, da separação dos poderes.
Ressalta-se, ainda, outro fator que igualmente demonstra a inconstitucionalidade de que o projeto de lei está eivado, que é o artigo 60-B, cujo dispositivo enuncia: "as decisões administrativas que apliquem medidas corretivas em favor do consumidor constituem título executivo extrajudicial". O dispositivo legal, assim como exposto, esbarra no artigo 5º, inciso XXXV da CF, que garante: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Ou seja, teremos o Procon, órgão do Poder Executivo, utilizando-se do poder jurisdicional, que não é de sua competência, para formar um título executivo extrajudicial, cuja liquidez, exigibilidade e certeza poderá ser passível de análise e julgamento pelo Judiciário, sob pena de ofensa ao artigo constitucional acima.
É de conhecimento público e notório a falta de capacitação dos profissionais vinculados aos Procons. Não há concurso público para o cargo de conciliadores e instrutores, os quais normalmente são pessoas sem formação acadêmica completa e muito menos técnica para avaliar o suposto descumprimento do CDC, como também não há à disposição do Procon peritos nas amplas áreas atingidas pelo CDC. Logo, uma condenação pela autoridade administrativa do Procon sem a instrução por profissionais capacitados, seja da área do direito, seja da área técnica, estará eivada de notório cerceamento de defesa das empresas.
Desta feita, as alterações do Código de Defesa do Consumidor almejados pelo projeto de lei em referência devem ser analisadas com o cuidado que a questão merece. Estaremos diante de um julgamento realizado pelo órgão do Poder Executivo, sem poderes constitucionais para tanto, em detrimento ao amplo direito de defesa, contraditório e devido processo legal assegurados pelo Poder Judiciário, bem como estaremos diante de uma real inversão das demandas judiciais, passando as empresas a não mais configurarem o polo passivo da demanda, mas o ativo. Teria assim o projeto de lei atingido sua finalidade, o desafogamento do Judiciário?
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