A convite da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do estado do Paraná, assumimos a árdua responsabilidade de tentar responder a indagação: a "indústria do dano moral" no direito bancário: existe ou não?
O Brasil, como Estado Democrático de Direito deve se fundamentar na dignidade humana e objetiva fundamentalmente, entre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Nesse sentido, o consumidor é visto pela Constituição Federal de 1988 de maneira especial e, como tal, merece ser tratado pela sociedade e pelo setor econômico, já que se configura na parte frágil (vulnerável) da relação com os fornecedores. Recebendo a devida tutela em dois momentos distintos, na positivação da defesa do consumidor como garantia fundamental individual, e princípio da ordem econômica, que tem por fim assegurar a todos existência digna, baseada na justiça social.
Materializando essas determinações constitucionais, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é composto por normas de ordem pública e interesse social, o que faz com que suas regras sejam aplicadas independentemente da vontade das partes. Sua atuação incide de maneira principiológica, informando o sistema, dentre outros, os princípios da boa-fé, da confiança, da garantia de segurança e prestabilidade, do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, da reparação integral e do acesso à justiça, inclusive com a inversão do ônus da prova em favor do consumidor.
O sistema de responsabilidade civil no CDC, em diálogo com o disposto no Código Civil acerca do mesmo tema, pode ser assim resumido: trata-se de responsabilidade objetiva do fornecedor independentemente de culpa; é solidária entre os fornecedores, na qual cada um responde pelo todo perante o consumidor; e é distinta em se tratando de vício e fato do produto e/ou serviço.
O critério proposto, para a diferenciação entre fato e vício, é o da repercussão de danos, o que impõe a análise de cada caso. Dessa forma, os fatos são situações com repercussões mais graves aos consumidores, no qual há danos extrínsecos à mera utilização insuficiente do produto ou serviço.
Na maioria das vezes, em se tratando de serviços bancários, quando são pleiteados os ressarcimentos extrapatrimoniais, estaremos diante da ocorrência de fato do serviço, caracterizado pela manifestação de problemas com repercussões danosas extrínsecas, normalmente ligadas a defeitos de informação (insuficiente ou inadequada) e defeitos de segurança. Isso porque essas atividades são revestidas por uma especial outorga de confiança e a quebra dessa confiança gera inevitavelmente um abalo extrínseco à relação entre cliente consumidor e fornecedor.
Analisando-se os enunciados das Turmas Recursais, observamos que há diversas situações nas quais já se reconheceu o dever de indenização aos consumidores bancários que sofreram com a violação das normas de proteção do CDC.
Enunciados que, contextualizados a uma suposta noção de indústria de dano moral, evidenciam uma conduta sistemática dos fornecedores bancários no fornecimento de serviços divergentes à tutela consumerista. Permitindo-se as reiteradas condenações em razão de casos constantes de inscrição em órgão de restrição ao crédito indevida; cancelamento de limite de crédito sem a prévia informação; entre outros que cotidianamente chegam à apreciação do Poder Judiciário.
Assim, possivelmente essa volumosa litigiosidade tenha como causas, dentre outros diversos fatores, a ampla divulgação dos direitos dos consumidores, a busca de resposta pelo cidadão junto ao Poder Judiciário diante da ausência de informação ou decisão por parte do fornecedor administrativamente, e o anseio coletivo na busca de Justiça com a condenação (sanção) de atos que violem seus direitos.
Evidentemente esse fenômeno espanta a todos, aparentemente, menos aos grandes demandados que não têm demonstrado esforços para alterar a conduta e evitar a causação de danos à sociedade. A expressão indústria da indenização é resultado da tentativa dos fornecedores demandados desmoralizarem os, em sua imensa maioria, justos pleitos dos consumidores, trazendo em evidência alguns casos determinados que pretendem utilizar como maus exemplos de reinvindicação que, podem ou não, representar exercícios de má-fé. Divergindo da premissa lógica da boa-fé que norteia o sistema jurídico.
Contudo o que a sociedade brasileira não pode admitir é essa banalização dos pleitos justos por reparação e indenização de danos causados por violação às regras de consumo (prestabilidade, qualidade, segurança, informação, boa-fé, etc.), que têm sido rotulados maldosamente como pleitos indevidos ou decorrentes de meros aborrecimentos da vida cotidiana ou, ainda, que o pleno exercício da cidadania seja censurado.
As conquistas da sociedade verificadas ao longo de mais de duas décadas não podem ser menosprezadas por segmentos da economia que relutam em admitir a realidade atual, de que o cidadão tem todo o direito de exigir o respeito às leis, especialmente ao CDC que lhe garante o acesso adequado a produtos e serviços disponibilizados na nossa sociedade de consumo.
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