O anteprojeto da nova Lei de Execução Penal em curso no Senado (PLS 513) traz nova escala de prioridade para a execução penal. Agora no tocante à execução orçamentária dos investimentos estruturais. É certo, porém, que estabelecer prioridade é relegar o tema ao ordinário, pois, quando quase tudo é prioritário, não há primazia real.
Na legislação brasileira há prioridade estabelecida em vários ramos do direito, em diversos estatutos e nos microssistemas criados. No processamento dos feitos, há prioridade nos feitos dos réus presos, nos da infância e da juventude, nos mandados de segurança, nos de adoção de crianças, nos processos dos idosos, dentre outros. Contudo, em matéria orçamentária, não há lei que não sucumba à realidade dos números. É uma questão matemática inafastável o estabelecimento de prioridades na utilização de recursos quando o cobertor é curto.
Seja qual for o ramo do Judiciário, seja qual for o direito envolvido, sejam quais forem as razões de política legislativa, priorizar tem sido um fenômeno comum. Tal praxe é um dos sintomas do anacronismo do sistema judicial no processamento das demandas, causada pela torrente de processos trazida após o amplo acesso à Justiça, pós 1988, sem o correspondente lastro orçamentário compatível para o Judiciário, dentre vários outros fatores por todos conhecidos. Tal constatação serve como introito para análise de uma nova prioridade a caminho, fato que merece a reflexão e o apoio de quem milita no dia a dia da execução da pena ou estuda a matéria.
O novo anteprojeto da LEP estabelece nova prioridade na seara da execução penal, pela via da proibição. O artigo 205 do PLS 513 prioriza a execução orçamentária para a execução penal, uma vez que veda o contingenciamento do Fundo Penitenciário (Fupen). Talvez essa seja a mãe das reformas estabelecidas pela comissão que pensou profundamente e constatou a questão estrutural e o faz de conta orçamentário nessa matéria. Assim, pelo menos no aspecto estrutural, tal proposição é a semente de um novo tempo, uma verdadeira revolução.
Nos últimos anos a execução orçamentária efetiva do Fundo Penitenciário ficou sempre aquém do efetivamente disponível. Por várias razões, nem sempre o arrecadado tem sido executado. O fato é que, observando-se os números do Fupen, no sítio do Ministério da Justiça (Fupen em Números 6ª e última edição disponível), vê-se que o contingenciamento orçamentário dos recursos tem causado efeitos deletérios no macrossistema estrutural da execução penal. Diversas obras, como é o caso da construção de estabelecimentos penais, ficam em compasso de espera para o exercício seguinte e assim vai se seguindo ano a ano.
Os dados oficiais de uma série de 17 anos, de 1995 a 2011, informam que do orçamento autorizado (lei+créditos), cujos valores nominais variaram de R$ 78 a R$ 574 milhões, tiveram utilização efetiva de R$ 27 a R$ 303 milhões, ou seja, o porcentual de utilização efetiva dos recursos do Fupen nesse período variou de 24% a 92%, com média global no período de 52%.
Sem adentrarmos no mérito da não execução orçamentária por incapacidade ou falhas na gestão do gasto, é fato que o contingenciamento dos recursos sempre representou grande glosa na execução orçamentária e, via de consequência, uma das causas do pesado déficit estrutural do sistema penitenciário no país.
Ainda que a medida na nova LEP somente surta efeito no médio e longo prazos e haja outras frentes a serem enfrentadas, o novo dispositivo em boa hora exclui da possibilidade de contingenciamento o Fupen, ou seja, cria uma prioridade para a execução penal de forma real, efetiva e eficaz.
É fato também que o pesado déficit estrutural não é somente fruto da não execução orçamentária plena do Fundo Penitenciário. Há outros estreitamentos, legais e orçamentários, na gestão e no planejamento de todo o sistema.
Também há situações outras em que a legislação, ao longo do tempo, foi pródiga em produzir no país, o que acabou criando diversos mecanismos de sobrevivência do sistema ao propiciar meios para minorar o volume do encarceramento penal e, via de consequência, da superpopulação prisional em execução de pena e dos seus efeitos. Embora essa adaptação tenha outras implicações e explicações, o fato é que o gargalo estrutural é descomunal e a perspectiva do aporte, efetivo, real e contínuo, de mais recursos na estrutura da execução penal é extremamente salutar.
É preciso que o parlamento tenha extrema atenção com esse dispositivo e não permita o eventual abortamento da ideia no nascedouro. O passivo estrutural é grande demais e, somente com investimentos maciços e contínuos, poderemos vaticinar tempos melhores na melhor estruturação da execução penal. Quem opera a execução penal no chão de fábrica penhoradamente agradece e espera.
Por fim, também é conveniente destacar que não devemos nos descuidar do planejamento, da boa elaboração dos projetos, da correta execução deles e da eficaz gestão do sistema, todos elos fundamentais dessa cadeia positiva de governança. Em síntese, pode-se dizer que o futuro artigo 205 da nova LEP no anteprojeto do PLS 513 é o derradeiro, do ponto de vista cronológico, porém é o primeiro em ordem de prioridades de manutenção pelo legislador para que a execução penal seja, de fato e de lege ferenda (lei a ser elaborada), prioridade nacional.
Evandro Cangussu Melo, juiz de Direito da 2ª Vara Criminal e da Execução Penal de Sete Lagoas (MG), é membro do grupo de trabalho da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) que estuda o anteprojeto da nova LEP.
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