O governo do Paraná sancionou uma lei, aprovada na Assembleia Legislativa em regime de urgência, e publicada no último mês, que prevê a terceirização da gestão dos presídios paranaenses para entidades do terceiro setor, o que se configura uma privatização em sentido amplo.

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A lei prevê que o estado celebre convênios com organizações não-governamentais (ONGs) e com as chamadas associações de proteção e assistência aos condenados (APACs), que poderão administrar estabelecimentos penais. Segundo vários juristas, tal prática contrária a nossa Constituição social e democrática de Direito de 1988.

É pacífico que, como regra, o Poder Público não pode delegar o chamado "poder de polícia" para os particulares. Atividades-fim do Estado não podem ser privatizadas, sendo possíveis terceirizações apenas de atividades-meio.

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Qualquer atividade executiva de gestão dentro de uma unidade penal, qualquer parcela de função administrativa prisional que afete a liberdade do preso, faz parte do poder de polícia, e a eventual necessidade do uso da coercibilidade por entidades privadas fere nossa Constituição.

O exercício da função administrativa prisional abrange atos jurídicos, como por exemplo a emanação de provimentos sancionatórios, que de forma alguma poderão ser delegados a particulares. Entre os atos materiais, os que incidem sobre a pessoa do preso, como a vigilância, também não podem ser delegados, pois há monitoramento dos deveres dos presos, e não raro ocorre uso de coação. Enfim, o poder disciplinar na execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direito compete exclusivamente ao Estado.

Apenas as atividades materiais acessórias e realização de obras podem ser delegadas. Note-se, a cooperação da comunidade, prevista na Lei 7.210/84, Lei de Execução Penal (LEP), não quer dizer que a iniciativa privada poderá administrar o presídio.

O governo argumenta que a lei não prevê terceirização e muito menos privatização – o que seria transferido para as entidades privadas sem fins lucrativos seriam apenas algumas funções materiais da execução da pena, mas não a atividade jurisdicional. Mas o problema é que a lei delega a atividade administrativa judiciária, que é exclusiva do Estado.

Ressalte-se que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, editou a Resolução 8/2002, que rejeita quaisquer propostas tendentes à privatização do sistema penitenciário e que consolida o entendimento de que os serviços de segurança, administração, gerenciamento de unidades, disciplina, efetivo acompanhamento e avaliação da individualização da execução penal não são delegáveis à iniciativa privada. O Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária do CNPCP 2011 também é contrário a privatização do sistema penal e prevê, entre outras políticas progressistas, o fortalecimento do Estado na gestão do sistema penal.

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Mesmo se fosse possível a privatização, nas unidades geridas por ONGs não poderia ocorrer qualquer tipo de trabalho do preso, por impedimento contido na LEP.

O modelo adotado é cópia do mineiro, contrário ao estado social e favorável ao estado penal, que assegura que quanto mais se prender seres humanos, mais a iniciativa privada lucrará. Tanto o modelo de privatização total estadunidense, quanto o modelo de gestão misto francês; no qual a gestão externa cabe ao poder público, mas a iniciativa privada constroi o presídio, faz a guarda interna dos presos, promove o trabalho, a educação, o transporte, a alimentação, o lazer, a assistência social, jurídica e espiritual e a saúde do preso; não se encaixam no nosso ordenamento jurídico.

Lembremos que, na década de 90, o Paraná foi um dos pioneiros no Brasil com as penitenciárias privadas. Elas foram extintas posteriormente com a justificativa de que o custo por detento no país era em média R$ 800, enquanto que nos presídios privados R$ 1,2 mil. Além disso, os agentes contratados eram, muitas vezes, um terço dos servidores públicos, o que aumentava os riscos na segurança das unidades. A prática levou à precarização do serviço, enfraquecendo o discurso de que a iniciativa privada é mais eficiente. Uma pesquisa nos EUA concluiu que com os presídios privados não há diminuição de custos, mas, sim, uma tendência deles ficarem com os presos com penas mais leves e de melhor comportamento, deixando os que cometeram crimes mais graves nas prisões públicas.

Há outras inconstitucionalidades na lei, ainda, como o vício de iniciativa, burla ao concurso público, previsão de que as APACs deverão ser filiadas a uma entidade privada, e a previsão do acordo de vontade ser um convênio, e não contrato administrativos precedido de licitação.

Existem problemas sérios nos presídios do país, mas devemos resolvê-los com a profissionalização da administração pública brasileira, com muita transparência e controle social e dos órgãos de controle, e dentro dos limites constitucionais.

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Tarso Cabral Violin, professor de Direito Administrativo da Universidade Positivo, mestre em Direito do Estado pela UFPR, advogado