Confira
O artigo A reforma do Código Penal I.
A reforma do Código Penal III será publicado em edição posterior do Caderno Justiça & Direito.
1. Um novo movimento de reforma
Como é de conhecimento geral, o Senado Federal constituiu uma comissão de juristas, sob a coordenação do Ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, com o objetivo de elaborar um anteprojeto de reforma da legislação penal em geral, compreendendo as duas partes do Código Penal e a legislação extravagante, de que são exemplos: Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/1962); Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990); Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990); Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997); Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/1006); Lei nº 9.605/1998 (sanções penais e administrativas de proteção do meio ambiente) etc.
Tais diplomas caracterizam microssistemas com normas penais, processuais penais e administrativas autônomas em relação ao centro do sistema, como permite o art. 12 do Código Penal, verbis: "as regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo contrário".
Mas, para muito além desses corpos legislativos de características próprias, há uma imensa variedade de leis esparsas elaboradas para atender determinados interesses localizados na proteção de bens jurídicos específicos. Dessa categoria, podem ser referidas: Lei nº 1079/1950 (crimes de responsabilidade), Lei nº 7.170/1983 (crimes contra a segurança nacional), Lei nº 7.492/1986 (crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), Lei nº 7.716/1989 (crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor) e Lei nº 8.137/1990 (crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo).
Não é exagero afirmar que existe, atualmente, mais de mil normas penais incriminadoras, se considerarmos o sistema global incluindo os tipos de ilícito da parte especial do Código Penal.
2. Uma nova Consolidação das Leis Penais
O Código Penal (Dec.-lei nº 2.848/1940) entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1942 e tinha um número extremamente reduzido de leis extravagantes, como se verifica pelo art. 360: "Ressalvada a legislação especial sobre os crimes contra a existência, a segurança e a integridade e contra a guarda e o emprego da economia popular, os crimes de imprensa e os de falência, os de responsabilidade do Presidente da República e dos governadores ou interventores, e os crimes militares, revogam-se as disposições em contrário". Havia, naquela época, somente cinco diplomas a mais.
No artigo A reforma do Código Penal I, foram referidas as cinco metas essenciais para uma efetiva reforma do sistema criminal brasileiro. São elas: 1ª) a missão de garantia; 2ª) a seleção dos bens jurídicos protegidos; 3ª) a função compiladora; 4ª) a reorientação da perspectiva dos bens e interesses; 5ª) a mudança do que precisa ser mudado. Esta é a síntese dos indicadores analisados em editoriais do boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), publicados em agosto de 1998 e fevereiro de 2012.
O Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva informa que a palavra "consolidação" deriva do latim (consolidatio, de consolidare) e significa "fortalecer, unir, tornar sólido". A primeira e relevante questão a ser enfrentada em uma reforma global é a tentativa de uma Consolidação das Leis Penais, ou seja, a reunião de todas as leis extravagantes para inseri-las na Parte Especial, tarefa extremamente complexa.
Em nosso país, apesar de algumas tentativas com anteprojetos anteriores (1983, 1994 e 1998), essa obra colossal não foi realizada, a exemplo da primeira Consolidação, realizada em 1932 pelo extraordinário trabalho do Desembargador Vicente Piragibe (1879-1959). O documento passou a ser conhecido como Código Piragibe e foi aplicado em substituição ao Código Penal de 1891, até o advento do Código Penal vigente (Dec.-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940). 3. O grave problema da inflação legislativa
No campo da administração da justiça penal, seus operadores estão sofrendo a amarga experiência da inflação legislativa, responsável por um tipo de direito penal do terror que, ao contrário de seu modelo antigo, não se caracteriza pelas intervenções na consciência e na alma das pessoas, tendo à frente as bandeiras do preconceito ideológico e da intolerância religiosa. Ele se destaca, atualmente, em duas perspectivas bem definidas: a massificação da responsabilidade criminal e a erosão do sistema positivo. A primeira fomenta o justiçamento social determinado pelos padrões sensacionalistas da mídia que subverte o princípio da presunção de inocência e alimenta a fogueira da suspeita que é a justiça das paixões, consagrando a responsabilidade objetiva; a segunda anarquiza os meios e métodos de controle da violência e da criminalidade, estimula o discurso político e revela a ausência de uma política criminal em nível federal.
René Ariel Dotti, advogado e professor de Direito Penal
Deixe sua opinião