A Lei Complementar (LC) 135/10, comumente chamada de "Lei da Ficha Limpa", a despeito de contemplar o clamor popular quanto à eficácia das decisões colegiadas, cuidou de consagrar expressa e taxativamente a possibilidade de o candidato obter a suspensão da inelegibilidade. Significa dizer, por outras palavras, impedir a eficácia da decisão colegiada que o considerou inelegível e, portanto, deixá-lo apto a obter o registro de sua candidatura.
Com efeito, uma das grandes inovações da LC 135/10 foi permitir que a inelegibilidade provocada pelas decisões judiciais, seja ela oriunda da Justiça Comum ou da Justiça Eleitoral, tenha eficácia a partir da prolação das decisões colegiadas, e não mais exclusivamente do trânsito em julgado das decisões condenatórias. Antes, apenas após o trânsito em julgado é que o candidato tornava-se inelegível, circunstância que propiciava a adoção de uma séria de medidas processuais protelatórias visando impedir a formação da coisa julgada e, por via de consequência, permitir que determinada pessoa, mesmo tendo sido condenada em diversas instâncias (inclusive por tribunais superiores), pudesse ter o registro de candidatura deferido.
Quanto a esse aspecto, a LC 135/10 foi ainda muito abrangente, pois aumentou significativamente as hipóteses de inelegibilidade proporcionadas por condenações impostas pela Justiça. Merecem especial registro, o acréscimo significativo no rol dos crimes que ensejam a inelegibilidade, bem como, a incidência dessa sanção para as condenações impostas pela Justiça Eleitoral aos ilícitos de campanha (por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos ou por conduta vedada aos agentes públicos).
No entanto, apesar de dar maior importância às decisões colegiadas, assim como, aumentar as hipóteses de incidência de inelegibilidade, a LC 135/10 previu expressamente a possibilidade de a parte obter a suspensão da inelegibilidade.
De acordo com o artigo 26-C, da LC 64/90 (com a redação dada pela LC 135/11): "o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal ...".
Com efeito, a dicção acima não representa a concepção de um remédio novo ou mesmo desconhecido de nosso sistema recursal. O artigo 26-C contempla, em síntese, a previsão expressa de concessão de efeito suspensivo ao recurso interposto contra a decisão que enseja a sanção de inelegibilidade.
Se diz que não consiste em remédio novo, porque encontra-se previsto e consagrado em nosso sistema recursal a possibilidade de se impedir a eficácia das decisões judiciais, por intermédio da concessão de efeito suspensivo aos recursos, seja por pretensão formulada na própria peça recursal (por exemplo, agravo de instrumento ou apelação, incisos do art. 520, CPC), seja através do ajuizamento de ação cautelar inominada (art. 800, parágrafo único, CPC).
Em última ratio, o artigo 26-C preocupa-se com a novidade introduzida quanto à eficácia das decisões colegiadas. Relaciona-se, portanto, com essa circunstância nova de permitir que decisões colegiadas, antes do trânsito em julgado, possam projetar a sanção de inelegibilidade. O vínculo, portanto, é com a eficácia das decisões proferidas pela Justiça Comum ou pela Eleitoral que, tomadas de forma colegiada, são capazes de levar à inelegibilidade.
Pode-se dizer que o artigo 26-C é até mesmo desnecessário, pois os mecanismos existentes em nosso sistema recursal já são suficientes para "suspender a inelegibilidade". Contudo, não se pode deixar de reconhecer que sua introdução foi, sob certa ótica, acertada, já afasta qualquer questionamento quanto à aplicação desses mecanismos também no direito processual eleitoral.
No entanto, é preciso ter presente que esse dispositivo não confere competência à Justiça Comum para decidir a respeito de matéria eleitoral. Versa exclusivamente sobre a eficácia da decisão colegiada que é capaz de ensejar a sanção de inelegibilidade. Como decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), "o deferimento desta liminar não implica juízo direito sobre a inelegibilidade, mas o reconhecimento indireto de que a decisão atacada pelo RE não poderá ser utilizada para os fins da declaração de incompatibilidade da situação jurídica da requerente com o exercício do ius honorum" (AI 709634, Rel. Min. Dias Tofolli).
Por fim, restará à jurisprudência o papel de externar o correto entendimento a respeito de uma séria de controvérsias que surgirá sobre esse tema, tais como, o órgão competente para a concessão da medida e a incidência das súmulas 634 e 635 do STF; a possibilidade de concessão do efeito suspensivo pelo relator; a necessidade de requerimento expresso na própria peça recursal; o significado de "plausibilidade na pretensão recursal" ou mesmo de "de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa" capazes de acarretar a "revogação do efeito suspensivo", etc.
Flávio Cheim Jorge, advogado, mestre e doutor em Direito, professor da Universidade Federal do Espírito Santo, juiz eleitoral do TRE/ES de 2004 a 2008
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