O ex-presidente Lula afirmou em determinada ocasião que a fiscalização do poder público não é papel da imprensa, uma vez que já existem vários órgãos com essa responsabilidade. Um desses órgãos, o Tribunal de Contas da União, foi alvo de críticas do ex-chefe do Executivo que o acusou de criar entraves à continuidade de obras do PAC ao recomendar sua paralisação em razão de inúmeras irregularidades identificadas. Lula, à época, defendeu mudanças nos órgãos de fiscalização e o enfraquecimento dos poderes do TCU.
Curioso anotar que a intenção de enfraquecer a atuação dos Tribunais de Contas não é uma ideia nova ou original. Com o propósito de reformular a competência do Tribunal de Contas, Floriano Peixoto, segundo presidente republicano, encaminhou a Serzedello Correa, seu então ministro de Estado da Fazenda, minuta de decretos que pretendiam reduzir a ação do tribunal. Serzedello Correa, homem de elevados valores morais e espírito público, pediu exoneração do cargo e fez o seguinte comentário:
"Quando Vossa Excelência está dentro da lei e da Constituição, o tribunal lhe é superior. Reformá-lo não podemos. As autoridades legislativas ficam esgotadas, e por lei o Executivo não pode mais modificá-las. Se Vossa Excelência quer reformular o tribunal, demita-me, e o meu sucessor que referende o ato."(Revista Conhecendo o Tribunal. Brasília: TCU, 2002. p. 1)
Tais fatos nos fazem refletir sobre os aspectos determinantes do controle da administração pública frente aos artifícios de que se valem aqueles que praticam a corrupção cotidianamente.
O ordenamento jurídico brasileiro vigente oferece vários mecanismos voltados ao controle dos atos administrativos, legitimando para o seu exercício não apenas os Tribunais de Contas e o Ministério Público, mas também, e principalmente, os cidadãos.
A Constituição Federal brasileira prevê dois tipos de controle: o interno e o externo. O interno, fundamentado na hierarquia, carecerá de firmeza sempre que as irregularidades tiverem origem nos altos escalões de governo. O Constituição Federal faculta a qualquer cidadão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante as Cortes de Contas. Entretanto, essa prerrogativa muitas vezes é utilizada por pessoas que têm apenas interesses eleitoreiros.
Subsiste, ainda, o controle externo, que, conforme os artigos 70 e 71 da CF, é exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União, em nome dos interesses dos cidadãos. Ele foi criado em 1890, pelo Decreto nº 966-A/90, editado pelo então ministro da Fazenda Rui Barbosa.
O controle externo apresentase como instrumento inerente ao Estado Democrático de Direito, tornando-se fundamental para a boa gestão da coisa pública ao permitir a transparência do processo de tomada da decisão administrativa, bem como de suas condicionantes e consequências.
Diante do quadro social e político que se apresenta, o controle externo dos atos administrativos é, sem sombras de dúvida, um instrumento absolutamente atual e indispensável, devendo ser não apenas respeitado, mas aperfeiçoado para fazer frente à natural evolução da sociedade e principalmente às transformações pelas quais passam o Direito Público e notadamente a administração pública brasileira.
Percebe-se que os instrumentos de corrupção vêm sendo aprimorados em velocidade muito maior do que os meios de controle legalmente instituídos. Não se trata de condenar a atuação dos órgãos controladores, pelo contrário, os Tribunais de Contas, o Ministério Público e a própria imprensa desempenham um papel de fundamental importância nesse cenário. Entretanto, para se adequar a essa realidade nefasta e expurgar a corrupção generalizada, faz-se necessário o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle.
A atuação dos tribunais de contas nem sempre atinge os resultados desejados, o que o torna vulnerável a críticas que apontam, especialmente, para a forma de investidura de seus membros.
Na questão da investidura dos ministros do TCU a Constituição de 88 avançou ao eliminar o critério de livre indicação pelo presidente da República, principal fator para a suspeição que contaminava a legitimidade do julgamento das contas prestadas pelos governantes. Não obstante, em alguns casos os seus membros são recrutados sem um indispensável preparo e conhecimento técnico, com desprezo ao desejável concurso público, de modo que não se elimina de todo o subjetivismo de quem os nomeia.
Critica-se ainda a morosidade de atuação das cortes de contas que, não raro, abstêm-se de praticar um controle concomitante com a realização da despesa, exercendo-o apenas posteriormente, muitas vezes com atraso, o que acaba por inviabilizar a reposição de eventuais danos causados ao erário.
Por derradeiro, em um Estado Democrático e Social de Direito, como é a República Federativa do Brasil, só será legítima, perante o sistema jurídico positivo e da ciência do direito administrativo, a atividade pública que tiver por escopo atingir as finalidades dispostas na constituição, devendo haver controle de todos os atos da administração pública, controle este submetido aos filtros constitucionais.
Assim não se concebe um Estado Democrático de Direito absolutamente isento de controles efetivos, eficazes e materiais, capazes de garantir o exercício constitucional e regular da democracia, além de preservar a ordem jurídica, a autonomia e a independência dos poderes, mediante um sistema de freios e contrapesos.