Uma medida de grande impacto foi tomada no final do ano passado para as famílias brasileiras e para os trabalhadores domésticos: a promulgação da Emenda Constitucional nº 72 de 2013 que estendeu, no texto da Constituição Federal, os direitos outrora assegurados apenas para empregados agora, também, aos domésticos.
Categoria profissional mais expressiva em termos numéricos do mercado de trabalho brasileiro, os trabalhadores domésticos somam em torno de 7,2 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Dado interessante da OIT revela que entre os dez países do mundo com o maior número de trabalhadores domésticos, oito estão no chamado mundo emergente.
Assim, o Brasil não poderia manter-se inerte frente a uma questão social dessa magnitude. No ano passado, foi aprovada, no âmbito da OIT, a Convenção 189 sobre o Trabalho Decente para os Trabalhadores Domésticos, com o intuito de estender a esses trabalhadores os mesmos direitos assegurados aos demais empregados. Nosso país foi um dos mais engajados na aprovação dessa norma internacional.
Na ordem constitucional de 1988, havia uma expressa diferenciação entre essas duas categorias de trabalhadores: os domésticos e os não-domésticos. O rol de direitos sociais previstos no art. 7º ressalvava, em seu parágrafo único, que somente alguns deles se aplicavam aos domésticos.
Há, agora, uma equiparação de direitos. Os domésticos passam a ter, dentre outros, as seguintes garantias: limitação da jornada de trabalho em 8 horas diárias e 44 horas semanais; percepção de horas extras; adicional noturno; depósito do FGTS, que antes era facultativo etc.
Por outro lado, a maneira como foi feita a aprovação e a redação do novo texto constitucional ainda trará muitos problemas e discussões. A ampliação de alguns direitos ainda carece de regulamentação infraconstitucional, pois a CLT declara expressamente, em seu art. 7º, que não se aplica aos trabalhadores domésticos.
Isso gera um impasse. Como garantir aos domésticos direitos trabalhistas previstos e regulamentados na CLT se esta não se aplica àqueles? O texto constitucional, no que se refere aos direitos sociais, remete à necessidade de regulamentação em diversos momentos, gerando a insegurança e a dúvida que são típicas de toda transformação legislativa de impacto na sociedade.
Assim, a regulamentação também deverá levar em conta as especificidades do trabalho doméstico, que não pode ser equiparado integralmente aos empregados ativados em empresas privadas cuja principal finalidade é a busca do lucro. O núcleo familiar que é, por definição, empregador dos trabalhadores domésticos não é uma grande empresa, aspecto fundamental para procedimentalizar a garantia de direitos.
Sem dúvidas, haverá um impacto excessivo sobre o padrão de vida das famílias brasileiras, tanto do ponto de vista econômico, como cultural. Também é certo que, até que ocorra um novo equilíbrio entre condições de oferta e procura por esse tipo de serviço, aumentará o número de empregados domésticos dispensados, dando lugar a novas formas de trabalho eventual nas residências brasileiras.
Certamente, uma mudança de tal porte demanda um tempo de adaptação e de transição. Mas é importante estar alerta, pois além da Lei nº 12.964, promulgada em 4 de abril de 2014, foi também publicada, no dia 7 de agosto, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a Instrução Normativa nº 16.110 desse órgão, com o objetivo de orientar a fiscalização do cumprimento das normas relativas ao trabalho doméstico.
O empregador doméstico que não assinar o registro em CTPS de seu empregado poderá ser multado em valor mínimo de R$ 805,06. O valor dependerá da infração, da gravidade, do tempo de serviço, da quantidade de empregados envolvidos, dentre outros fatores. Como há um impedimento constitucional para a livre atuação dos fiscais devido à inviolabilidade dos domicílios, a fiscalização deverá atuar por notificação postal, com aviso de recebimento, indicando a lista de documentos e o local em que devem ser apresentados.
Em caso de ausência injustificada do empregador, será lavrado o auto de infração capitulado no § 3º ou no § 4º do art. 630 da CLT. A fiscalização no local de trabalho, ou seja, na residência, só poderá ocorrer se o auditor fiscal apresentar sua Carteira de Identidade Fiscal (CIF) e houver consentimento por escrito do empregador.
Nesse momento de mudança, é natural que muitas dúvidas e incertezas apareçam envolvendo esse complexo tema. No entanto, com o bom-senso das autoridades administrativas, que devem orientar os empregadores, mais do que punir o descumprimento, logo teremos a segurança jurídica necessária que preservará os direitos agora reconhecidos aos trabalhadores domésticos sem significar um ônus excessivo para os empregadores.
Assim, essas ambiguidades e impactos da ampliação de direitos aos domésticos demandarão paciência e tranquilidade para que, em breve, tenhamos de fato uma situação de maior igualdade e positiva para todos os envolvidos nessa questão.
Marcelo C. Mascaro Nascimento, mestre em Direito, é advogado trabalhista.