O instituto processual da reclamação, previsto nos artigos 102 e 105, da Constituição Federal, tem por objetivo preservar a competência e a autoridade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. Assim, decisões de tribunais estaduais que se afastam do entendimento dessas cortes ensejam, em tese, o ajuizamento da reclamação.
Embora, no caso do STJ, a reclamação possa ser confundida com o recurso especial, há, entre eles, importantes diferenças. A reclamação, em que pese posições divergentes, é ação e não recurso, ajuizada diretamente no STJ. A legitimidade passiva da reclamação é da autoridade jurisdicional que proferiu a decisão contrária ao entendimento do STJ e não da parte que, no processo em que proferida a decisão, dela se beneficiou.
Recentemente, o STF, ao apreciar os Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 571.572/BA, decidiu que o STJ é competente para apreciar reclamações ajuizadas contra decisões de juizados especiais estaduais contrárias à orientação da corte superior em matéria infraconstitucional, ao menos até que sejam criadas "turmas de uniformização dos juizados especiais estaduais".
Em vista da decisão do Supremo, o STJ viu-se obrigado a disciplinar as reclamações ajuizadas contra decisões de colégios recursais de juizados especiais. A corte editou, então, a Resolução 12/2009, que, entre outros pontos, dispôs que a ação só é admissível quando a decisão reclamada divergir da jurisprudência da corte, sendo inadmissível quando divergir de simples decisão isolada.
Com o intento de precisar mais ainda as hipóteses cabíveis da reclamação, o STJ também passou a definir o que poderia ser entendido por "jurisprudência da corte". Assim, em julgados recentes, proferidos nas Reclamações 3.812 e 6.721, a Segunda Seção estabeleceu que a reclamação só é cabível quando a decisão do juizado especial contrariar (i) enunciado de súmula do STJ ou (ii) decisão proferida em sede recurso especial repetitivo (Art. 543-C).
Referida orientação não atendeu apenas a critérios jurídicos. A partir da decisão do STF, uma enxurrada de reclamações havia batido às portas do STJ, o que levou ministros a admitirem que o instituto pudesse estar sendo usado como uma espécie de "Recurso Especial do JEC". A restrição da reclamação aos casos de contrariedade a enunciados de súmula ou a decisões de recurso especial repetitivo restringiu visivelmente o seu uso, aliviando a sobrecarga da corte.
A questão parecia estar definitivamente resolvida, mas recente decisão do STJ trouxe de volta parte da insegurança que envolvia a matéria até alguns meses atrás. Isso porque a corte, em fevereiro de 2012, admitiu uma reclamação contra uma decisão de juizado especial que não contrariava enunciado de súmula ou mesmo decisão proferida em recurso especial repetitivo.
De fato, na Reclamação nº 6.587, ajuizada por uma concessionária de veículos do Rio de Janeiro contra a 3ª Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais do Estado, a ministra Maria Isabel Galotti admitiu a ação sob o fundamento de que a decisão do juizado teria sido simplesmente "teratológica". No caso, a decisão havia condenado a concessionária a rescindir um contrato do qual não fizera parte.
Não há no STJ enunciado de súmula ou decisão proferida em Recurso Especial Repetitivo envolvendo a matéria abordada pela reclamação, o que foi até reconhecido pela ministra, que se apoiou assim na alegada teratologia da decisão do JEC para admitir a ação.
A decisão abre uma via alternativa ao caminho que a própria corte havia restringido ao limitar as hipóteses da reclamação. Não há definição pacífica acerca do que seja uma decisão teratológica ou aberrante e o subjetivismo de cada ministro pode ter um papel destacado em cada caso.
Em não poucas ocasiões, contudo, a corte superior apreciou recursos interpostos de decisões que foram classificadas como teratológicas pelos ministros. Nesse sentido, tais precedentes podem fornecer um norte para a compreensão do que o STJ entende por decisões dessa natureza.
Consultando julgados sobre o tema, nota-se que as decisões assim qualificadas não só violam algum preceito normativo, como contam com algum elemento de absurdo, que foge ao bom senso e ao princípio da proporcionalidade.
É o caso, por exemplo, da decisão apreciada na Medida Cautelar nº 6.417/DF. Na peça, a Editora Abril havia recorrido de uma determinação do TJ-DF para que a revista Veja publicasse na íntegra a petição inicial de uma ação indenizatória que o Subprocurador-Geral da República Ronaldo Bonfim dos Santos, ofendido com uma reportagem, ajuizara contra a publicação. A corte entendeu que a determinação para que a revista simplesmente publicasse 41 laudas de uma petição inicial em uma de suas edições era por certo teratológica.
Outro precedente significativo encontra-se no RMS 15870/GO, em que a corte considerou teratológica uma decisão de 1ª instância, mantida pelo TJ-GO, que havia determinado à Petrobras o fornecimento de milhões de litros de derivados de petróleo a distribuidoras sem que fossem observados os requisitos administrativos impostos pela ANP.
Tratam-se, portanto, de decisões que não apenas se afastam da legislação aplicável ao caso, mas que, mais do que isso, fogem da realidade dos autos e ignoram totalmente os argumentos de uma das partes, muitas vezes contentando-se em adotar alguma solução desproporcional e descabida à natureza do litígio.
Nesse contexto, o precedente instaurado pelo STJ na Reclamação nº 6.587 permite que os juizados especiais, assim como já acontece em outros ritos, contem ao menos com a possibilidade de eliminar a teratologia do sistema, evitando a prevalência de decisões que um ministro da corte já caracterizou no passado de "kafkianas".